0277 – Entenda a verdade: 15 fotos e 10 fatos sobre o Holocausto

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Entenda a verdade: 15 Fotos e 10 Fatos sobre o Holocausto

Dormitório coletivo de judeus em campo de concentração polonês, 1943.
Quando Adolf Hitler assumiu o comando da Alemanha em 1933, aquele país iniciou a institucionalização de uma ideologia mortífera. Se por um lado a repulsa aos judeus e outras categorias já existia na Europa há séculos, seria inédita a postura assumida pelo governo para lidar com essa situação. Sustentados por um pensamento pseudo-científico conhecido como darwinismo social, os nazistas perseguiram e executaram milhões de civis em um episódio que ficou conhecido como Holocausto.
Apesar do tema ser exaustivamente trabalhado, as dúvidas a seu respeito são numerosas. Boa parte do que se “sabe” sobre o holocausto é baseado em filmes que às vezes partem para o apelo emocional, fugindo à realidade. No campo científico os estudiosos acabam sendo mais cuidadosos com números e análises.
Este artigo reúne alguns dos principais fatos sobre a perseguição e extermínio massivo de milhões de pessoas. Afinal, quem, quando e quantos foram atingidos? Quem foi o responsável e quais suas motivações? Existe algum nível de exagero ou distorção da verdade? Leia essas respostas e veja fotografias que poderão contextualizar melhor este tema.
(clique nas imagens para ampliar)
1 – O Holocausto era sustentado por uma pseudo-ciência
Uma pseudo-ciência que chegou a ser lecionada em universidades está diretamente ligada às práticas desumanas aplicadas durante o Holocausto: a Eugenia. Seu principal objetivo era desenvolver maneiras de manipular e otimizar a evolução humana de acordo com os princípios darwinistas aplicados à humanidade (darwinismo social). Na prática se tornou terreno para legitimar o racismo e defender práticas extremamente polêmicas, como a esterilização e extermínio de grupos genéticos inteiros. Por questões que envolvem ética e a prova da inexistência de diferentes raças humanas, a eugenia já não é mais considerada uma ciência, entretanto ainda nos dias de hoje é possível observar a aplicação e defesa de seus princípios principalmente em países europeus.
Soldado nazista ridiculariza os cabelos do jovem e aflito judeu polonês. Observe que ele carrega uma tesoura na mão esquerda.
2 – O Holocausto começou antes da Segunda Guerra Mundial
Desde o começo da década de 1930, quando os nazistas chegaram ao poder, começaram a surgir diversas leis de cunho racista que visavam limitar os direitos dos judeus, as novas regras proibiam desde a realização de casamentos entre judeus e arianos até mesmo a frequentar locais públicos (inclusive hospitais). Pode parecer estranho imaginar que a comunidade internacional conviveu com isso por anos, mas esta é a realidade. Enquanto os judeus mais ricos simplesmente fugiram para outros países, os mais pobres ficaram até o cerco se fechar.
Sinagoga completamente destruída durante a Noite dos Cristais (Kristallnacht), Dortmund, Alemanha, 1938. A Noite dos Cristais foi uma onda de violência antissemita ocorrida após o assassinato de um embaixador alemão por um judeu na França. Praticamente sem qualquer interferência da polícia ou corpo de bombeiros, cidadão alemães enfurecidos destruíram templos e saquearam lojas em um episódio que resultou na morte de dezenas de judeus em toda a Alemanha. O nome Noite dos Cristais faz referência ao grande número de vidraças (das lojas judaicas) quebradas pela população naquela madrugada.
3 – O Holocausto não se resumiu aos judeus
Não há dúvidas que o povo mais perseguido pela Alemanha Nazista foi o judeu, mas não foram somente eles que sofreram perseguições, prisões e execuções sumárias. Entre os indesejáveis do Terceiro Reich também figuravam outros grupos étnicos não-arianos, como os ciganos e eslavos. Outras categorias como aleijados, homossexuais e inimigos políticos (comunistas, anarquistas, testemunhas de jeová, etc…) também acabaram em campos de concentração.
Prisioneiro britânico frente a Heinrich Himmler, um dos grandes idealizadores do Holocausto.
4 – Muitos prisioneiros foram usados como cobaias para experimentos médicos
O uso de cobaias humanas hoje em dia é algo extremamente delicado e sua discussão sobre questões éticas acaba impondo limites às realizações de determinados testes. No contexto do holocausto alguns médicos nazistas realizaram experiências mortíferas que envolviam homens, mulheres e até mesmo bebês. O principal responsável por essas experiências foi Josef Mengele, conhecido como O Anjo da Morte, médico chefe do temido campo de extermínio Auschwitz-Birkenau. Fontes indicam o uso de milhares de prisioneiros em experiências quase sempre fatais, e quando a vítima sobrevivia, era executada para uma análise de seu cadáver. Entre as experiências realizadas podemos citar: exposição à radiação, congelamento, consumo exclusivo de água do mar e até mesmo dissecação de vivos para observar a evolução de doenças e infecções.
Crianças ciganas em estágio avançado de desnutrição. Elas foram usadas como cobaias em experimentos médicos em Auschwitz, Polônia, 1943.
5 – A política de perseguição evoluiu gradualmente para um sistema de extermínio em proporções industriais
Como já foi dito anteriormente, a perseguição começou de fato com a imposição de leis limitadoras cada vez mais incômodas. Os judeus foram afastados de todos os cargos públicos, suas crianças foram expulsas das escolas e se criaram instituições para expulsá-los do território alemão. Com o início da Segunda Guerra os cuidados para maquiar o anti-semitismo para a comunidade internacional cessaram, judeus agora eram obrigados a andar com uma estrela de identificação, gradualmente foram forçados a habitar regiões segregadas (os chamados guetos) onde faltava tudo, desde moradias suficientes até alimentação e ofertas de trabalho. Quando o conflito mostrou maiores dificuldades para a vitória nazista, entrava em cena a chamada Solução Final: prisioneiros eram levados para campos de extermínio, verdadeiras “fábricas de morte” movidas a envenenamento com um gás pesticida chamado Zyklon B.
Essa é uma das imagens mais conhecidas quando o assunto é Holocausto. Se trata de um grupo de judeus rendidos após uma revolta no Gueto de Varsóvia, 1943.
Trem lotado de judeus a caminho de Auschwitz, 1942.
As paredes arranhadas transmitem o desespero de dentro de uma câmara de gás de Auschwitz.
Pilha de óculos de prisioneiros confiscados pelos nazistas em Auschwitz, foto de 1945.
6 – A propaganda sobre o Holocausto foi muito explorada na Segunda Guerra Mundial
Ao longo do conflito os rumores sobre o que os nazistas faziam com seus inimigos foram explorados ao máximo. Por anos essas informações eram vistas com muita desconfiança. Do lado nazista a mensagem que se passava era que os prisioneiros estavam em lugares agradáveis e o ódio antissemita só aumentava uma vez que a evolução da guerra deixou claro que a derrota seria inevitável. Do lado dos aliados se explorou o Holocausto como forma de convocar países em um esforço contra as atrocidades do eixo. O excesso de simbolismo usado pelo Terceiro Reich facilitava a propaganda: imensas bandeiras, suásticas, runas e a liderança caricata de Adolf Hitler despertavam emoções intensas que variavam entre amor e ódio.
Judeu desnutrido se esforça para se manter de pé no campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha, 1944.
7 – Apesar das denúncias e forte propaganda, a libertação dos prisioneiros não era prioridade dos Aliados
Uma contradição amarga a ser lembrada é que os Aliados não direcionaram o esforço de guerra para a liberação dos judeus. Ao invés disso, se observou uma corrida pela aniquilação do Estado Nazista. Isso remete às divergências nos interesses políticos das duas partes que formaram as Potências Aliadas, o único elemento que ligava a União Soviética ao ocidente era o inimigo em comum (Hitler), no mais, eles eram adversários. Sendo o rápido avanço soviético no front oriental uma forte ameaça da dominação comunista no continente europeu.
Judeu encarregado de distribuir braçadeiras com a Estrela de Davi. A lei nazista exigia que o judeu se identificasse com esse símbolo.
8 – Nem todos os aliados de Hitler colaboraram com o Holocausto
Entre civis, diplomatas e até mesmo governantes, vale lembrar que nem todos aqueles que estavam alinhados com os interesses do Eixo ofereceram cumplicidade no Holocausto. Diferentemente de países como a Itália Fascista e a França Colaboracionista, que aplicaram leis antissemitas e deportaram seus cidadãos para campos de extermínio, houve casos de gente que ofereceu resistência e até se arriscou para salvar alguns judeus. A título de exemplo, diplomatas de diversos países como Portugal e Espanha abrigaram judeus e outras minorias em suas embaixadas. No caso da Espanha foi notável a maior resistência em entregar judeus, mas descobertas recentes evidenciaram que o ditador fascista Francisco Franco (ao contrário do que ele disse à comunidade internacional) entregou cerca de 6 mil judeus para Hitler.
Judeus em Berlim caminham com a Estrela de Davi costurada em suas roupas, 1941.
Vista da entrada de Auschwitz – Birkenau, o principal campo de extermínio nazista, lugar onde morreram mais de um milhão de vítimas do Holocausto.
9 – A população alemã em geral não sabia exatamente o que se passava nos campos de concentração
A demonização da ideologia nazista é um tema extremamente delicado quando lembramos que Hitler chegou ao poder de forma democrática e boa parte da população da Alemanha aprovava calorosamente o regime. De fato o racismo era algo presente naquela nação, mas isso não significa muita coisa: se você observar com cautela os principais jornais circulantes na Inglaterra e Estados Unidos naquele período, vai perceber que o racismo e a segregação também existia nesses países. Apesar de haver casos de violência explícita contra judeus por parte de civis alemães, as atrocidades cometidas nos campos de concentração eram mantidas em sigilo pelo alto comando nazista.
Jovem alemã se assusta ao ver os corpos exumados das vítimas do Holocausto. Os Aliados chegaram a desenterrar centenas de cadáveres para obrigar a população a encará-los em troca de comida, Namering, Alemanha, Maio de 1945.
10 – Os dois lados da guerra tentaram distorcer o Holocausto
Quando se fala em Holocausto é comum remeter às grandes produções cinematográficas a respeito. Isso é grave, precisamos contextualizar o evento e o momento de sua revelação ao mundo: com o fim da Segunda Guerra Mundial a descoberta dos campos de concentração aqueceu o desejo de estabelecer uma pátria para os judeus, assim, se procurou potencializar o episódio com diversos artifícios. Muitas fotografias tiveram um cenário forjado, soldados recolheram e empilharam corpos, prisioneiros doentes foram selecionados a dedo para compor imagens chocantes.
Entendida a posição Aliada, deve-se observar com ainda mais atenção a postura dos chamados revisionistas. Entre estudiosos e completos leigos, eles utilizam fontes duvidosas para questionar uma das atrocidades mais bem documentadas da história. Eles são impulsionados por pensamentos simpáticos ao nazismo ou ódio religioso relacionado aos conflitos com a formação do Estado de Israel e a população palestina. O xiita Mahmoud Ahmadinejad, atual presidente do Irã, em uma declaração pública chamou o Holocausto de “mito”, posicionamento comum entre os islâmicos mais radicais. A revisão da história, quando feita com seriedade, é um papel muito importante para desconstruir certas ilusões. A necessidade de reanalisar o Holocausto não seria de tamanha polêmica se dezenas de países não considerassem crime a sua prática, atitude gravíssima, uma vez que não existe tema histórico de veracidade incontestável.
Prisioneiros do campo de concentração de Buchenwald, Março de 1945.
Algumas fontes:
Bruno Henrique Brito Lopes
Graduando em História pela Universidade Católica de Pernambuco.

0269 – Uma nova onda antissemita abala a Europa

http://www.cartacapital.com.br/revista/838/uma-nova-onda-antissemita-7463.html

Europa

Uma nova onda antissemita abala a Europa

por Gianni Cartapublicado 07/03/2015 07h46
A tendência fermenta em primeiro lugar na França, mas também em outros bolsões pelo continente. Por Gianni Carta, de Paris
Claude Truong-Ngoc/AFP

Rabino

No cemitério judeu, o rabino Cukierman é contraponto de Hollande

De Paris

Dois eventos levaram os europeus em má sintonia com a realidade a acordar: o antissemitismo não acabou com a Segunda Guerra Mundial. No sábado 14, um atentado duplo deixou dois mortos e cinco feridos em uma sinagoga e em um centro cultural, em Copenhague. No domingo 15, centenas de túmulos foram profanados no cemitério judaico de Sarre-Union, na Alsácia, noroeste da França. Pouco mais de um mês atrás, outro islamita radical tirou a vida de quatro franceses de confissão judaica em um supermercado kosher, em Paris. Naqueles dias de terror, houve dois outros atentados, sempre na capital francesa, a envolver no mínimo três terroristas franceses de ascendência árabe. Assim, outras 13 pessoas inocentes foram assassinadas, incluídos os caricaturistas do Charlie Hebdo.

Por ocasião do atentado de Copenhague, a premier Helle Thorning-Schmidt mostrou-se realista: “Estamos habituados – disse ela – faz muito tempo a viver sob um nível de alerta elevado. E os eventos de hoje sublinham que a avaliação da ameaça estava correta”. Em cerimônia no cemitério de Sarre-Union, na terça 17, François Hollande indagou: “Como compreender o indescritível, o insuportável, o injustificável?” Acrescentou: “Estou a par do sentimento de ansiedade que toma os franceses de confissão judia. Sei que eles refutam esmagadoramente a perspectiva de deixar a pátria deles. Eles são franceses, amam a França e seu lugar é naturalmente a França”.

Hollande quis, mais uma vez, bater de frente com Benjamin Netanyahu, que, ao vir a Paris para se solidarizar com os judeus franceses depois do ataque à redação do Cherlie Hebdo, convidou-os para ir viver em Israel. Após o ataque à sinagoga de Copenhague, o premier israelense estendeu o convite a todos os judeus europeus. Venham a Israel, disse, porque o Velho Continente continua a ser a “mesma velha Europa”. Hollande não deixa de ter um problema sério: cresce o número de judeus franceses que executam oaliya (ascensão), ou seja, emigrar para Israel. Em 2014, foram 7.213, ante 3.293 em 2013. Na previsão o número eleva-se para 10 mil.

Dados relevantes na visão francesa: com 550 mil cidadãos de elos judaicos, a França tem a maior população de judeus na Europa, a despeito de representarem apenas 1% do total da população. Mas vale acentuar que não escasseiam motivos a levar milhares de judeus franceses, e europeus, a emigrar para Israel. A começar por indicadores bastante preocupantes. Segundo o Serviço de Proteção da Comunidade Judaica (SPCJ) e do Ministério do Interior da França, houve um acréscimo de 101% de atos antissemitas em 2014, em relação a 2013. Pior: esses atos antissemitas são cada vez mais violentos. De 2013 a 2014, houve acréscimo de 130% de ataques violentos, de 105 para 241. Outro dado: 51% dos ataques racistas na França são antissemitas. Não envolvem somente muçulmanos radicais com passaportes europeus. Roger Cukierman, presidente do Crif, conselho que representa grupos judaicos na França, ao falar na cerimônia realizada no cemitério de Sarre-Union, admitiu a presença, entre os vândalos antissemitas, de “desequilibrados, neonazistas e até satanistas”.

Independentemente das motivações de quem age contra os judeus, carregadas de raiva antissemita reverberam em bolsões Europa afora. Em meados do ano passado, um imã na Alemanha pediu para Alá “destruir os sionistas judeus”. Na Itália, outro imã falou sobre a exterminação dos judeus, antes de ser deportado. Na Espanha, o dramaturgo Antonio Gala, de 83 anos, disse ao diário conservador El Mundo: “Não me parece estranho que eles (judeus) tenham sido sempre expulsos”. Em entrevista ao semanário Le Point (“Ser judeu na França” é a chamada de capa), o pensador Shmuel Trigano pondera: “O questionamento pele Parlamento da UE a respeito da liberdade de circuncisão e do abatimento kosher revelou a ansiedade de uma Europa intolerante, na qual os judeus correm o risco de se tornar uma minoria transnacional, definida pela sua religião…”

O antissemitismo parece ter raízes mais profundas na França. Em 2006, Ilan Halimi, 23 anos, foi torturado e assassinado. Era judeu. Seis anos depois, o francês de origem argelina Mohamed Merah, ex-jihadista do Taleban paquistanês, matou sete pessoas em Toulouse. Um dos ataques foi contra uma escola judaica e três crianças e um jovem rabino foram assassinados. Em maio de 2014, Mehdi Nemmouche, outro francês de origem argelina com passagem pelo Estado Islâmico, matou quatro pessoas no Museu Judaico de Bruxelas.

Os números de agressões antissemitas acima citados na França, que vão desde atos de vandalismo até de jihadismo antissemita, levam vários judeus franceses a considerar a possibilidade de executar o aliya. Entra na equação uma vitória de Marine Le Pen, da legenda extremista Frente Nacional, na presidencial de 2017. Após ter conquistado pontos nas pesquisas de opinião pública pelo seu comportamento na manifestação de 11 de janeiro pela morte dos chargistas do Charlie Hebdo, Hollande está novamente em baixa. Em artigo publicado pelo Libération, Simone Rodan-Benzaquen, diretora do American Jewish Committee em Paris, elogia Hollande por ele ter “tornado a luta contra o racismo e o antissemitismo uma grande causa nacional”. Acrescenta, porém, que durante anos “alguns de nossos responsáveis políticos fizeram a cama do terrorismo, do populismo, do salafismo e do antissemitismo”. O maior problema “foi a instrumentalização da causa palestina”, que acabou sendo transformada em “apoio ao terrorismo”. Segundo Rodan-Benzaquen, o conflito israelo-palestino foi importado para o território francês. E, assim, numerosos defensores da criação de um Estado palestino, ou mesmo antissionistas, usam essas posições políticas para camuflar seu antissemitismo.

Há antissionistas e antissionistas. Por exemplo, o cineasta britânico Ken Loach jamais foi criticado como antissemita. Ele juntou-se a centenas de signatários britânicos de uma petição de boicote cultural a Israel. Publicada pelo Guardian, a petição precisa que o boicote dure “enquanto Israel não respeitar a lei internacional e continuar sua opressão colonial contra os palestinos”. Detalhe: a França apoia, no Conselho de Segurança da ONU, a criação de um Estado Palestino. Rodan-Benzaquen rebate: “Nenhuma ideologia pró-palestina justifica, na França, a sede de querer humilhar e matar os nossos”. Ela quer acabar com uma retórica ambígua. De fato, Hollande e o premier Manuel Valls já perceberam a falha, e pretendem mudar o discurso. Valls proibiu o tour e shows do comediante Dieudonné, com pais oriundos da República dos Camarões. Dieudonné foi interrogado pela polícia, pagou uma multa de 65 mil euros porque disse que um jornalista judeu-francês deveria ser sacrificado em uma câmara de gás.

Além de aumentar a segurança da comunidade judaica e de reprimir o racismo de forma geral, Hollande e Valls querem lançar um debate nacional para mudar as percepções dos franceses sobre diferentes raças e religiões. Mas, como dizem vários observadores, os jovens muçulmanos, marginalizados pela sociedade, não podem ser excluídos. E a retórica de Marine Le Pen é islamofóbica.

Mesmo diante da ameaça antissemita, Zvi Bar’el, colunista do diário israelense Haaretz, desencoraja o aliya. “Judeus europeus trocarão o antissemitismo europeu pelo racismo israelense.” Viverão em um país onde “esquerdistas são comparados a colaboradores nazistas que querem destruir o país”. Ficarão aliviados ao perceber que o racismo contra eles não é comparável àquele praticado contra os etíopes. Mais: “A situação na Europa poderá piorar, mas em Israel o risco é muito maior”. E por que o senhor Bar’el vive em Israel? “Nós somos israelenses. (…) O foco de nossa identidade é a sobrevivência, não a qualidade de vida.” Como disse o presidente israelense Reuven Rivlin, o aliya tem de ser motivado pela vontade, não pelo medo.

*Reportagem publicada originalmente na edição 838 de CartaCapital, com o título “Uma nova onda antissemita”

0133 – Uma nova onda antissemita abala a Europa

Europa

Uma nova onda antissemita abala a Europa

A tendência fermenta em primeiro lugar na França, mas também em outros bolsões pelo continente. Por Gianni Carta, de Paris
por Gianni Cartapublicado 07/03/2015 07:46
Claude Truong-Ngoc/AFP

Rabino

No cemitério judeu, o rabino Cukierman é contraponto de Hollande

 

De Paris

Dois eventos levaram os europeus em má sintonia com a realidade a acordar: o antissemitismo não acabou com a Segunda Guerra Mundial. No sábado 14, um atentado duplo deixou dois mortos e cinco feridos em uma sinagoga e em um centro cultural, em Copenhague. No domingo 15, centenas de túmulos foram profanados no cemitério judaico de Sarre-Union, na Alsácia, noroeste da França. Pouco mais de um mês atrás, outro islamita radical tirou a vida de quatro franceses de confissão judaica em um supermercado kosher, em Paris. Naqueles dias de terror, houve dois outros atentados, sempre na capital francesa, a envolver no mínimo três terroristas franceses de ascendência árabe. Assim, outras 13 pessoas inocentes foram assassinadas, incluídos os caricaturistas doCharlie Hebdo.

Por ocasião do atentado de Copenhague, a premier Helle Thorning-Schmidt mostrou-se realista: “Estamos habituados – disse ela – faz muito tempo a viver sob um nível de alerta elevado. E os eventos de hoje sublinham que a avaliação da ameaça estava correta”. Em cerimônia no cemitério de Sarre-Union, na terça 17, François Hollande indagou: “Como compreender o indescritível, o insuportável, o injustificável?” Acrescentou: “Estou a par do sentimento de ansiedade que toma os franceses de confissão judia. Sei que eles refutam esmagadoramente a perspectiva de deixar a pátria deles. Eles são franceses, amam a França e seu lugar é naturalmente a França”.

Hollande quis, mais uma vez, bater de frente com Benjamin Netanyahu, que, ao vir a Paris para se solidarizar com os judeus franceses depois do ataque à redação do Cherlie Hebdo, convidou-os para ir viver em Israel. Após o ataque à sinagoga de Copenhague, o premier israelense estendeu o convite a todos os judeus europeus. Venham a Israel, disse, porque o Velho Continente continua a ser a “mesma velha Europa”. Hollande não deixa de ter um problema sério: cresce o número de judeus franceses que executam o aliya (ascensão), ou seja, emigrar para Israel. Em 2014, foram 7.213, ante 3.293 em 2013. Na previsão o número eleva-se para 10 mil.

Dados relevantes na visão francesa: com 550 mil cidadãos de elos judaicos, a França tem a maior população de judeus na Europa, a despeito de representarem apenas 1% do total da população. Mas vale acentuar que não escasseiam motivos a levar milhares de judeus franceses, e europeus, a emigrar para Israel. A começar por indicadores bastante preocupantes. Segundo o Serviço de Proteção da Comunidade Judaica (SPCJ) e do Ministério do Interior da França, houve um acréscimo de 101% de atos antissemitas em 2014, em relação a 2013. Pior: esses atos antissemitas são cada vez mais violentos. De 2013 a 2014, houve acréscimo de 130% de ataques violentos, de 105 para 241. Outro dado: 51% dos ataques racistas na França são antissemitas. Não envolvem somente muçulmanos radicais com passaportes europeus. Roger Cukierman, presidente do Crif, conselho que representa grupos judaicos na França, ao falar na cerimônia realizada no cemitério de Sarre-Union, admitiu a presença, entre os vândalos antissemitas, de “desequilibrados, neonazistas e até satanistas”.

Independentemente das motivações de quem age contra os judeus, carregadas de raiva antissemita reverberam em bolsões Europa afora. Em meados do ano passado, um imã na Alemanha pediu para Alá “destruir os sionistas judeus”. Na Itália, outro imã falou sobre a exterminação dos judeus, antes de ser deportado. Na Espanha, o dramaturgo Antonio Gala, de 83 anos, disse ao diário conservador El Mundo: “Não me parece estranho que eles (judeus) tenham sido sempre expulsos”. Em entrevista ao semanário Le Point (“Ser judeu na França” é a chamada de capa), o pensador Shmuel Trigano pondera: “O questionamento pele Parlamento da UE a respeito da liberdade de circuncisão e do abatimento kosher revelou a ansiedade de uma Europa intolerante, na qual os judeus correm o risco de se tornar uma minoria transnacional, definida pela sua religião…”

O antissemitismo parece ter raízes mais profundas na França. Em 2006, Ilan Halimi, 23 anos, foi torturado e assassinado. Era judeu. Seis anos depois, o francês de origem argelina Mohamed Merah, ex-jihadista do Taleban paquistanês, matou sete pessoas em Toulouse. Um dos ataques foi contra uma escola judaica e três crianças e um jovem rabino foram assassinados. Em maio de 2014, Mehdi Nemmouche, outro francês de origem argelina com passagem pelo Estado Islâmico, matou quatro pessoas no Museu Judaico de Bruxelas.

Os números de agressões antissemitas acima citados na França, que vão desde atos de vandalismo até de jihadismo antissemita, levam vários judeus franceses a considerar a possibilidade de executar o aliya. Entra na equação uma vitória de Marine Le Pen, da legenda extremista Frente Nacional, na presidencial de 2017. Após ter conquistado pontos nas pesquisas de opinião pública pelo seu comportamento na manifestação de 11 de janeiro pela morte dos chargistas do Charlie Hebdo, Hollande está novamente em baixa. Em artigo publicado pelo Libération, Simone Rodan-Benzaquen, diretora do American Jewish Committee em Paris, elogia Hollande por ele ter “tornado a luta contra o racismo e o antissemitismo uma grande causa nacional”. Acrescenta, porém, que durante anos “alguns de nossos responsáveis políticos fizeram a cama do terrorismo, do populismo, do salafismo e do antissemitismo”. O maior problema “foi a instrumentalização da causa palestina”, que acabou sendo transformada em “apoio ao terrorismo”. Segundo Rodan-Benzaquen, o conflito israelo-palestino foi importado para o território francês. E, assim, numerosos defensores da criação de um Estado palestino, ou mesmo antissionistas, usam essas posições políticas para camuflar seu antissemitismo.

Há antissionistas e antissionistas. Por exemplo, o cineasta britânico Ken Loach jamais foi criticado como antissemita. Ele juntou-se a centenas de signatários britânicos de uma petição de boicote cultural a Israel. Publicada pelo Guardian, a petição precisa que o boicote dure “enquanto Israel não respeitar a lei internacional e continuar sua opressão colonial contra os palestinos”. Detalhe: a França apoia, no Conselho de Segurança da ONU, a criação de um Estado Palestino. Rodan-Benzaquen rebate: “Nenhuma ideologia pró-palestina justifica, na França, a sede de querer humilhar e matar os nossos”. Ela quer acabar com uma retórica ambígua. De fato, Hollande e o premier Manuel Valls já perceberam a falha, e pretendem mudar o discurso. Valls proibiu o tour e shows do comediante Dieudonné, com pais oriundos da República dos Camarões. Dieudonné foi interrogado pela polícia, pagou uma multa de 65 mil euros porque disse que um jornalista judeu-francês deveria ser sacrificado em uma câmara de gás.

Além de aumentar a segurança da comunidade judaica e de reprimir o racismo de forma geral, Hollande e Valls querem lançar um debate nacional para mudar as percepções dos franceses sobre diferentes raças e religiões. Mas, como dizem vários observadores, os jovens muçulmanos, marginalizados pela sociedade, não podem ser excluídos. E a retórica de Marine Le Pen é islamofóbica.

Mesmo diante da ameaça antissemita, Zvi Bar’el, colunista do diário israelense Haaretz, desencoraja o aliya. “Judeus europeus trocarão o antissemitismo europeu pelo racismo israelense.” Viverão em um país onde “esquerdistas são comparados a colaboradores nazistas que querem destruir o país”. Ficarão aliviados ao perceber que o racismo contra eles não é comparável àquele praticado contra os etíopes. Mais: “A situação na Europa poderá piorar, mas em Israel o risco é muito maior”. E por que o senhor Bar’el vive em Israel? “Nós somos israelenses. (…) O foco de nossa identidade é a sobrevivência, não a qualidade de vida.” Como disse o presidente israelense Reuven Rivlin, o aliya tem de ser motivado pela vontade, não pelo medo.

*Reportagem publicada originalmente na edição 838 de CartaCapital, com o título “Uma nova onda antissemita”