0295 – O mal da felicidade

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O mal da felicidade

Crédito: BALTEL/SIPA

“Sempre detestamos o sofrimento, é normal. A novidade é que agora as pessoas não têm mais o direito de sofrer. Então, sofre-se em dobro. Querer que as pessoas se calem sobre a dor física ou psicológica é apenas agravar o mal.”

O romancista e ensaísta francês Pascal Brucknerpublicou 15 livros, ganhou dois importantes prêmios literários europeus, teve uma obra, Lua de fel, adaptada para o cinema por Roman Polanski e, doutor em letras, deu aulas em Nova York e em San Diego, na Califórnia. Conferencista do Fronteiras do Pensamento, é um dos principais pensadores entre os chamados “Novos filósofos”, grupo de filósofos franceses que inclui Bernard-Henri Lévy e Alain Finkielkraut, que romperam com o pensamento marxista no início dos anos 1970, e se definem pela oposição a totalitarismos

A obra mais recente de Bruckner, The fanaticism of the apocalypse: save the earth, punish human beings(2013), e de suas conferências pelo mundo, aponta uma imposição moral sobre o indivíduo contemporâneo: o ser humano é responsável por salvar o planeta por ser culpado pela situação. Para Bruckner, esta ortodoxia ocidental eleva a legítima preocupação com o meio ambiente, mas com base no cultivo do medo, como visto nos filmes apocalípticos sobre a destruição do planeta. Segundo o ensaísta, isso é fruto de duas linhas de pensamento: o catolicismo, que prega que devemos abdicar das graças do presente pela salvação eterna, e o marxismo, que prega que os indivíduos reneguem suas necessidades pessoais em nome do futuro coletivo.

Para o escritor francês, a resposta não é pregar o apocalipse e o medo, tampouco nada fazer, mas sim desenvolver uma ecologia democrática que consiga enxergar e solucionar os problemas de forma prática.

Seu livro anterior, A euforia perpétua (Ed. Bertrand Brasil) também defende outra visão de ser humano e denuncia a fragilidade e a crueldade de uma sociedade que transformou a felicidade em ideal coletivo e obrigatório. ‘No mundo ocidental, quem não é feliz se sente excluído e fracassado’, afirma o escritor. ‘A felicidade é extremamente individual e efêmera por definição. Por isso, as pessoas obcecadas em conquistá-la, como a uma propriedade, sofrem em dobro e se distanciam das pequenas alegrias da vida.’ Sobre o tema da crença na felicidade incessante, Bruckner concedeu entrevista à revista Época:

Época: Como a felicidade se tornou uma tirania?
Pascal Bruckner: No século XVIII, felicidade já deixara de ser um direito para se tornar um dever. Mas essa inversão de valores só se consolidou no século XX, depois de 1968, quando se fez uma revolução em nome do prazer, da alegria, da voluptuosidade. A partir do momento em que o prazer se torna o principal valor de uma sociedade, quem não o atinge vira um indivíduo fora-da-lei.

Época: Se é natural ao ser humano buscar a felicidade, onde está o erro?
Pascal Bruckner:
O erro é esquecer que ninguém pode dizer o que o outro deve procurar, muito menos coletivamente. É perigoso achar que a existência só tem validade se a pessoa encontrar a felicidade. Essa é apenas uma das possibilidades na vida. Há várias outras, como a paixão e a liberdade. Recuso a noção de felicidade como objetivo maior da humanidade.

Época: O problema não é o que se considera felicidade hoje?
Pascal Bruckner:
O problema é a procura. Todos os que buscam a felicidade ficam mais infelizes, porque não se trata de uma caça ao tesouro ou à pedra filosofal. A busca da felicidade está fadada ao fracasso. É como procurar o príncipe encantado. Acabamos por nos privar dos pequenos prazeres e das pequenas alegrias, e ficamos com uma insatisfação permanente.

Época: A felicidade transformada em objetivo coletivo é uma questão política?
Pascal Bruckner:
Muitos países querem se colocar como paraísos terrestres. Enquanto isso, um monte de gente morre de fome. Todos os Estados fascistas ou comunistas queriam padronizar a felicidade do povo. Isso é perigoso. Nenhum governo, patrão ou chefe de Estado tem o direito de nos dizer onde está nossa felicidade.

Época: Confunde-se felicidade e bem-estar?
Pascal Bruckner:
Dinheiro compra bem-estar, conforto, mas nada compra a felicidade. Nos países em que o Estado falha em suprir as necessidades básicas do cidadão, é compreensível que a felicidade seja vista como a ausência da tristeza. Mas ela não deve ser reduzida a uma definição pela negação. Nos países ricos, em que as pessoas dispõem de certa renda, têm casa e comem normalmente, a felicidade não é compulsória. Prova disso é que na França se consome uma enorme quantidade de antidepressivos.

Época: Sofrimento virou doença?
Pascal Bruckner:
Sempre detestamos o sofrimento, é normal. A novidade é que agora as pessoas não têm mais o direito de sofrer. Então, sofre-se em dobro. Querer que as pessoas se calem sobre a dor física ou psicológica é apenas agravar o mal.

Época: Felicidade virou símbolo de status?
Pascal Bruckner:
Mais que o dinheiro, ela é a nova ostentação dos ricos. Eles estão na mídia e exibem seus carros de luxo, sua vida amorosa extraordinária, seu sucesso social, financeiro ou mesmo moral, quando colaboram com instituições beneficentes. A felicidade virou parte da comédia social.

Época: Isso aumenta a crença de que ela pode ser conquistada?
Pascal Bruckner:
Há pessoas que correm a vida inteira atrás dela, e então a felicidade vira uma inquietação permanente. Ou seja, o sujeito já entrou no território da angústia. A felicidade vira uma prisão. Na verdade, nos tornamos todos crentes laicos: tentamos cumprir na Terra o ideal que o cristianismo nos propõe para o céu.”

Época: E o papel da religião em tudo isso?
Pascal Bruckner:
O cristianismo coloca a felicidade como o paraíso perdido ou por vir. É a noção da felicidade perfeita, ao pé de Deus. Praticamente todas as religiões falam do sofrimento e nos prometem a felicidade depois desta vida. No catolicismo, o sofrimento é tamanho que o Deus sangra e agoniza. Por outro lado, há cada vez mais religiões que se ocupam da felicidade na Terra, como evangélicos, budistas e hinduístas, por exemplo. Na verdade, nos tornamos todos crentes laicos: tentamos cumprir na Terra o ideal que o cristianismo nos propõe para o céu. Queremos fazer nossa felicidade como os penitentes de outros tempos se flagelavam. Nós nos penitenciamos nas academias de ginástica, no esforço permanente para emagrecer, nos regimes, na obrigação de ter orgasmo.

Época: Então nossa busca de felicidade não nos aproxima do hedonismo nem traz uma ruptura com certos valores religiosos?
Pascal Bruckner:
Curiosamente, todas as revoluções feitas nesse sentido, inclusive a Francesa, desembocam em um ideal ainda muito impregnado de religião. Nosso hedonismo acaba nos mortificando. Agredimos nosso corpo para torná-lo perfeito, musculoso, imortal. As salas de ginástica cada vez mais se parecem com salas de tortura. Carregamos a Inquisição conosco, e ela é o espelho. Continuamos no universo da mutilação, que é medieval.

Época: Isso ocorre também no Oriente?
Pascal Bruckner:
Para os povos orientais, existe a noção de reencarnação. Por um lado, pode-se esperar que a próxima vida seja melhor. Por outro, é preciso viver de forma a evitar as reencarnações e, assim, poder ir ao encontro da alma imortal de Brahma ou Buda. No Ocidente moderno, a vida se tornou uma sequência de gozos. E nossa busca frenética por essa verdade parece a saga de Dom Quixote. É patética.

Época: No século XIX, havia o ‘mal do século’. Era lindo sofrer. Estamos vivendo isso às avessas?
Pascal Bruckner:
O ‘mal do século’ era uma estratégia do individualismo. O burguês era contente e satisfeito, ao passo que o artista exibia sua tristeza para se distinguir da massa. Até a doença se tornou uma forma de singularização. Hoje, a estratégia é a mesma: se distinguir, escapar da miséria comum.

Época: Por isso muita gente adota a atitude de ver alegria e perfeição em cada refeição, cada objeto, cada momento?
Pascal Bruckner:
É a estratégia dos estoicos, de fazer tudo como se fosse a última vez. É uma revalorização da vida cotidiana. É interessante, mas pode ser um mecanismo de autopersuasão, de se convencer da felicidade da própria existência, de evitar ser pego no ‘erro’. Essas são pessoas que decidiram imperativamente ser felizes. Isso é muito suspeito, porque todo ser humano tem momentos de tristeza. Tentar esconder isso é se enganar.

Época: Os livros de autoajuda reforçam que só não é feliz quem não quer?
Pascal Bruckner:
Esse tipo de literatura sempre existiu. São livros contra as pequenas misérias do cotidiano: como se livrar de uma febre, remover uma mancha. Hoje, no entanto, os temas são mais amplos: promete-se a felicidade. Deepak Chopra, guru das estrelas de Hollywood, faz vários livros sobre o mesmo tema: como ganhar dinheiro, como fazer sucesso. Há sempre um ou dois conselhos que funcionam, mas esse tipo de receita vive muito próximo do charlatanismo.

Época: As pessoas felizes são menos interessantes?
Pascal Bruckner:
Ninguém é feliz ou infeliz o tempo todo. A vida não se divide entre essas duas polaridades. Muito mais importante que a felicidade é a liberdade, a capacidade de enfrentar problemas. A felicidade é um valor secundário, e é bom enfatizar isso para que não se sintam culpadas as pessoas que não chegam a ser felizes.

Época: O que seria a felicidade real, não-idealizada?
Pascal Bruckner:
Um sentimento sem objeto preestabelecido, algo que muda de acordo com a pessoa, com a época e com a idade. Nós a encontramos em alguns momentos, mas ela é fugidia por natureza, não vem quando a chamamos e às vezes chega quando menos esperamos. Há dois erros básicos na forma como a encaramos atualmente. Um é não reconhecê-la quando acontece ou considerá-la muito banal ou medíocre para acolhê-la. O segundo erro é o desejo de retê-la, como a uma propriedade. Jacques Prévert tem uma frase linda sobre isso: ‘Reconheço a felicidade pelo barulho que ela faz ao partir’. A ilusão contemporânea é a da dominação da felicidade. Um triste erro.

0294 – O espírito de natal em um conto inédito de China Mieville.

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/12/1564521-o-espirito-de-natal-em-um-conto-inedito-de-china-mieville.shtml?cmpid=%22facefolha%22

O espírito de Natal em um conto inédito de China Miéville

CHINA MIÉVILLE
tradução FÁBIO FERNANDES
ilustração ODYR

21/12/2014 02h40

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SOBRE O TEXTO Num futuro indeterminado, tudo o que diz respeito ao Natal foi transformado em marcas registradas: os festejos só podem ocorrer sob licença. Neste texto, o escritor britânico China Miéville visita um tópico dos contos dedicados a essa temporada -o roubo do espírito natalino- e o relê em chave política.

*

Podem me chamar de infantiloide, mas eu adoro toda essa bobajada -a neve, as árvores, os enfeites, o peru. Adoro presentes. Adoro canções natalinas e músicas bregas. Eu simplesmente adoro o Natal®.

Foi por isso que fiquei tão empolgado. E não só por mim mas por Annie. Aylsa, sua mãe, disse que não entendia para que tanto reboliço e por que eu era sentimental, mas eu sabia que Annie mal podia esperar. Ela podia ter 14 anos, mas, em se tratando disso, eu tinha certeza de que ela ainda era uma garotinha, sonhando com meias na chaminé. Sempre que é a minha vez de ficar com Annie -eu e Aylsa temos alternado desde o divórcio- dou o melhor de mim no dia 25.

Confesso que Aylsa fez com que eu me sentisse mal. Fiquei com muito medo de Annie se decepcionar. Então nem dá pra dizer como fiquei maravilhado ao descobrir que pela primeira vez na vida eu ia conseguir fazer uma comemoração adequada.

Não me entendam mal. Eu não tenho ações da NatividadeCo, e nem condições de pagar uma licença de usuário para um dia, então não poderia fazer uma festa legalizada. Por algum tempo pensei em comprar de um dos concorrentes mais baratos tipo a XmasTym, ou um derivado de uma não especialista, como a Coca-Crissmas, mas a ideia de fazer um Natal de pobre era deprimente demais. Eu não poderia usar muitas das coisas tradicionais e, se você não pode ter tudo, qual é o sentido? (A XmasTym tinha os direitos de Egg Nog. Mas Egg Nog é nojento.) Aquelas outras firmas vivem tentando criar alternativas próprias para clássicos privatizados, como renas e bonecos de neve, mas nunca decolam. Jamais esquecerei o fracasso que foi a reação do público à Lagartixa Natalina da JingleMas.

Odyr

Não: assim como a maioria das pessoas, eu ia ter um pequeno Evento Invernal, só Annie e eu. Desde que eu tenha o cuidado de ficar longe de produtos licenciados, tudo vai dar certo.

Com as decorações feitas de hera você ainda pode se safar; visgo é proibido, mas eu tinha guardado um monte de tomates-cereja, que estava planejando espetar em cactos. Não ia arriscar guirlandas, mas eu tinha uns dois cintos coloridos que ia pendurar na minha aspidistra. Você sabe como é esse tipo de coisa. Os inspetores não são tão maus: às vezes eles fazem vista grossa para um badulaque ou outro (o que é muito bom, porque as multas para comemorações de Natal® sem licença são astronômicas).

Eu estava me preparando assim, mas aí aconteceu a coisa mais extraordinária. Ganhei na loteria!

Quer dizer, não ganhei-ganhei. Mas fiquei entre os primeiros, e foi um premiozinho bacana. Um convite para uma festa especial, licenciada, de Natal®, no centro de Londres, organizada pela própria NatividadeCo.

Quando li a carta, tremi dos pés à cabeça. Era a NatividadeCo, então a coisa seria pra valer. Ia ter Papai Noel®, Rodolfo®, Visgo®, Bolos®, e uma Árvore de Natal® com presentes embaixo.

Esse último item era algo com que eu não me conformava. Era uma coisa tão triste colocar meus presentes embrulhados em papel-jornal ao lado da aspidistra, mas desde que a NatividadeCo comprou os direitos do papel colorido e da colocação de presentes embaixo de árvores, os inspetores haviam caído com todo o rigor em quem cometesse Presenteamento Subarbóreo Grave. Eu não parava de pensar que Annie ia poder estender a mão e apanhar seu presente sob galhos de pinheiro.

Talvez eu não devesse ter contado pra Annie, apenas feito a surpresa a ela no dia, mas eu estava empolgado demais. E, pra ser honesto, em parte eu contei a ela porque eu queria deixar Aylsa com inveja. Ela era muito metida a besta, sempre dizendo que não sentia saudade do Natal® e coisa e tal.

– Pense só -eu disse- vamos poder cantar canções de Natal legalmente! Ah, desculpe, você odeia canções de Natal, não é?- Eu fui muito escroto.

Annie ficou quase doente de empolgação. Ela mudou seu nick on-line pra ehchegadaaestacao, e até onde eu pude acompanhar ela passava o tempo todo se gabando para seus pobres amigos, mortos de inveja. Dei uma espiadinha na tela quando fui levar chá pra ela: as janelas de chat estavam cheias de nomes como tinkerbell12 e punhadodeflores, e tudo o que eu podia ver eram exclamações como “naaaaummm??!!” align=”left” alt=”” border=”0″ />? nataaaalll??!! taaauuum legaaall!!!!!” antes que ela bloqueasse a tela exigindo privacidade.

– Tenha piedade -eu disse a ela.- Não esfregue isso na cara das suas amigas -mas ela simplesmente riu e me disse que estavam combinando de se encontrar no dia de qualquer maneira, e que eu não sabia do que estava falando.

Quando Annie acordou no dia 25, havia uma meia® esperando por ela na ponta da sua cama, pela primeira vez em sua vida, e ela veio tomar café carregando a meia® e sorrindo de orelha a orelha. Eu tive um prazer enorme em sacudir meu passe da NatividadeCo e dizer, perfeitamente dentro da lei, “Feliz Natal®, meu amor”. Fiquei feliz porque o ® era mudo.

Eu havia mandado o presente dela para a NatividadeCo, conforme as instruções. Ele estaria esperando sob a árvore. Era o modelo mais avançado de console. Mais do que eu podia pagar, mas sabia que ela ia adorar. Ela é ótima em videogames.

Saímos cedo. Havia um número razoável de pessoas nas ruas, todas fazendo aquilo que fazemos no dia 25, quando, sem dizer nada ilegal, você ergue as sobrancelhas e sorri um cumprimento natalino.
Tecnicamente era um dia de semana regular para os horários dos ônibus, mas, naturalmente, metade dos motoristas estava de licença “por motivo de doença”.

– Não vamos ficar esperando -disse Annie.- Temos um montão de tempo. Por que é que a gente não anda?

– O que você comprou pra mim? -eu não parava de perguntar pra ela. -Qual é o meu presente? -eu fazia de conta que ia espiar dentro da bolsa dela, mas ela balançava o dedinho.

– Você vai ver. Estou muito satisfeita com meu presente, pai. Acho que é algo que vai significar muito pra você.

Odyr

Não era para termos demorado tanto, mas, por algum motivo, fomos devagar, indo no nosso tempo, conversando, e de repente percebi que íamos chegar atrasados. Isso foi um choque. Comecei a correr, mas Annie ficou mal-humorada e reclamou. Me segurei para não dizer de quem tinha sido a ideia de ir a pé até lá. Corremos um bocado até o centro de Londres.

– Vamos -Annie não parava de falar. – Estamos chegando?

Havia um número surpreendente de pessoas em Oxford Street. Uma multidão e tanto, todos com aquela expressão secreta de felicidade. Eu também não podia evitar sorrir. Subitamente Annie já tinha disparado lá pra frente, voltando depois pra me puxar. Agora ela queria acelerar. E eu tinha que pedir desculpas a cada vez que esbarrava nas pessoas.

A maioria era uma garotada de uns vinte anos, casais e grupinhos. Eles abriram caminho, indulgentes, enquanto Annie me arrastava, corria na frente, voltava a me arrastar.

Era realmente um número impressionante de pessoas.

Mais adiante se ouvia música e alguns gritos. Fiquei tenso, mas não pareciam gritos zangados.

-Annie! -gritei mesmo assim.- Venha cá, meu amor! -eu a vi pulando por entre a massa.

E era realmente uma massa. Aquele som era de um apito? De onde tinha vindo todo mundo? Eu estava sendo empurrado, puxado como se toda aquela gente fosse uma maré. Vislumbrei um garotão e, com um susto, percebi alarmado que ele estava usando um macacão grande com uma rena de nariz vermelho. Só de olhar saquei que ele não tinha licença.

-Annie, venha cá -eu a chamava, mas o som da minha voz foi sufocado. Uma moça perto de mim elevou a voz, cantando uma nota, muito alta.

– “Baaaaa…”

O rapaz com quem ela estava começou também, e depois o amigo dele, e depois um bando de gente ao lado deles, e em poucos segundos estava todo mundo fazendo a mesma coisa, uma mistura de vozes bonitas e horrorosas, se combinando naquele gritinho alto insuportável.

– “Baaaaa…” -e aí, com um timing impecável, todas as centenas de pessoas meio que olharam umas nos olhos das outras, e a canção continuou.

– “….te o sino pequenino, sino de Belém…”

– Vocês estão loucos? -eu gritei, mas ninguém me ouvia por sobre aquela maldita canção ilegal. Ah, meu Deus. Eu sabia o que estava acontecendo.

Estávamos cercados por natalinos radicais.

Eu zanzava de um lado para o outro, gritando por Annie, correndo atrás dela, procurando a polícia. Não havia como as câmeras de rua não captarem aquilo. Eles mandariam o Esquadrão Natividade.

Vi Annie no meio da multidão -diabos, tinha mais gente chegando!- e corri em sua direção. Ela me chamava, olhava ansiosa ao redor, e eu batia nas pessoas para que saíssem da frente, mas, quando me aproximei, vi que ela estava olhando para alguém ao lado dela.

– Pai! -ela gritou. Vi os olhos dela se arregalarem ao me reconhecer, e então -será que eu tinha visto uma mão agarrá-la e puxá-la para fora dali?

– Annie! -eu gritei quando cheguei aonde ela havia estado. Mas ela não estava mais lá.

Eu estava entrando em pânico: ela é uma garota inteligente e estávamos em plena luz do dia, mas de quem era aquela mão, diabos? Liguei para o telefone dela.

– Pai -ela respondeu. O sinal estava horrível naquela multidão. Eu gritava, perguntando onde ela estava. Ela soava tensa, mas não assustada. -… OK… eu vou estar… ver… um amigo… na festa.

– O quê? -eu estava gritando. – O quê?

– Na festa -ela disse, e eu perdi o sinal.

Certo. A festa. Era para lá que ela estava indo. Eu me controlei. Abri caminho empurrando a multidão.

A coisa estava ficando mais bolchevique. Estava virando uma baderna natalina.

Oxford Street estava congestionada, eu estava no meio do que, de repente, havia se tornado milhares de manifestantes. Foram séculos abrindo caminho, ansioso, através da manifestação. O que havia parecido uma multidão anônima subitamente floresceu em variedade e cor. Todo mundo estava marchando. Eu passava por diferentes contingentes de manifestantes.

De onde diabos haviam saído todas aquelas bandeiras? Slogans flutuavam sobre a minha cabeça como destroços de um navio. “PELA PAZ, SOCIALISMO E NATAL”; “TIREM AS MÃOS DA NOSSA TEMPORADA DE FESTAS”; “PRIVATIZEM ISTO”. Um mesmo cartaz estava em toda parte. Era muito simples e clean: a letra R em um círculo vermelho, atravessada por uma linha diagonal.

Ela vai ficar OK, pensei, angustiado. Ela disse isso. Eu olhava ao meu redor enquanto avançava na direção da festa, distante apenas umas poucas ruas agora. Eu podia ver a manifestação.

Aquele pessoal era louco! Não que eles não tivessem boa intenção, mas aquilo não era jeito de conseguir as coisas. Tudo o que eles iam conseguir era causar encrenca para todo mundo. A polícia ia chegar ali a qualquer momento.

Mesmo assim, havia que admitir que sua criatividade era admirável. Com todas as roupas e as cores, aquilo parecia incrível. Não faço ideia de como eles tinham conseguido contrabandear aquele negócio pelas ruas, de como haviam organizado aquilo. Deve ter sido on-line, o que teria implicado um uma encriptação bastante sofisticada pra tapear o “copware”. Cada trecho da marcha parecia cantar algo diferente, ou cantar canções que eu não ouvia havia anos. Eu atravessava um país das maravilhas invernal.

Passei por um contingente de cristãos, todos carregando cruzes, cantando hinos natalinos. Bem à frente deles havia um grupo de gente malvestida vendendo exemplares de um jornal de esquerda e carregando cartazes com uma foto de Marx. Eles haviam sobreposto um chapéu de Papai Noel ao retrato dele. “Eu sonho com um Natal vermelho”, eles cantavam, e mal.

Agora nós estávamos ao lado da Selfridges, e um nó de gente havia parado ao lado das vitrines abarrotadas com a mistura costumeira de perfumes e sapatos. Os manifestantes olhavam uns para os outros, e de novo para a vitrine. Numa rua lateral, alguns passantes observavam o extraordinário espetáculo.

Levei um susto ao ver compradores “normais”: para mim era inconcebível que houvesse alguém ali além dos manifestantes que marchavam nas ruas.

Eu sabia o que os observadores da Selfridges estavam pensando: eles se lembravam (ou lembravam de terem lhes falado -alguns deles pareciam jovens demais para lembrar da vida antes do Ato de Natal®) de uma antiga tradição.

– Se não vão nos dar nossas vitrines de Natal -uma mulher rugiu- vamos ter que criá-las. -E, com isso, eles pegaram marretas. Meu Deus. Eles quebraram a vitrine.

– Não! -ouvi um homem vestindo um sofisticado paletó de lã gritar com eles. Um contingente dos manifestantes, que parecia horrorizado, abaixou as bandeiras, que diziam “AMIGOS TRABALHISTAS DO NATAL”. – Todos queremos a mesma coisa -gritou o homem- mas não podemos apoiar a violência!

Mas ninguém lhe dava a menor bola. Eu esperei que as pessoas começassem a roubar os artigos, mas elas simplesmente os empurraram para longe do caminho, junto com o vidro quebrado. Colocavam coisas nas vitrines. De sacolas e bolsos saíam pequenas manjedouras, Papais Noéis® de “papier mâché”, Presentes® lindamente embrulhados, Azevinho® e Visgo®, que os manifestantes espalhavam, compondo vitrines toscas.

Eu segui em frente. Um homem se postou no meu caminho. Ele fazia parte de um grupo de sujeitos bem-vestidos que estavam nas bordas da multidão. Com um risinho de deboche, ele me entregou um panfleto. “INSTITUTO DE IDEIAS MARXISTAS VIVAS. Por Que Não Estamos Marchando.”

“Vemos com desdém as tentativas patéticas da velha Esquerda de reviver esta cerimônia Cristã. A ideia de que o governo ‘roubou’ ‘nosso’ Natal é tão somente um aspecto do domínio dessa Cultura do Medo que rejeitamos. Chegou a hora de uma reavaliação além da esquerda e da direita, e de forças dinâmicas revigorarem a sociedade. No mês passado, nós do IIMV organizamos uma conferência no ICA sobre por que greves são chatas e por que a caça à raposa é o novo pretinho básico…”

O texto me pareceu totalmente sem pé nem cabeça. Joguei fora.

Foi quando se ouviu o trovejar de um helicóptero de combate. Fodeu, pensei. Eles chegaram.

– Atenção -disse a voz amplificada vinda do céu.- Vocês quebraram a seção 4 do Código de Natal®. Dispersem imediatamente ou serão presos.

Para meu espanto a reação foi uma risada rouca. Um cântico começou. No começo não consegui entender as palavras, mas logo não havia mais como confundi-las.

– De quem é o Natal? É nosso! De quem é o Natal? É nosso!

Não pegou muito bem.

Passei por um grupo que reconheci do noticiário, natalinas feministas radicais vestidas todas de branco, usando cenouras no nariz: as sNOwMEN. Um sujeito baixinho passou correndo por mim, olhando ao redor e resmungando: “Alto demais, alto demais”. Começou a gritar: “Qualquer um que meça até 1,55 m, venha participar do quebra-quebra com os Pequenos Ajudantes de Papai Noel!”. Outro baixinho começou a discutir furiosamente com ele. Ouvi as palavras “piada” e “condescendente”.

Odyr

As pessoas estavam comendo pudim de Natal®, fatias de peru. Elas se obrigavam até mesmo a engolir couve-de-bruxelas, só por questão de princípio. Alguém me deu um pedaço de bolo. “Bendito seja”, gritou um pagão radical no meu ouvido, e me deu um panfleto exigindo que assim que tivéssemos recuperado de volta a estação nós a rebatizássemos de Solstividade. Foi expulso a pontapés por um grupo de bailarinos e bailarinas musculosos vestidos de fadas e quebra-nozes.

Eu estava me aproximando do lugar onde a festa deveria acontecer, mas agora havia ainda mais gente nas ruas. O lugar ia ser cercado. Como é que iríamos entrar?

Figuras se moviam na multidão. Que merda, pensei, a polícia. Mas não era. Era um bando agressivo, com pinta de zangado, quebrando para-brisas dos carros pelo caminho. Estavam todos vestidos de Papai Noel®.
– Caralho -alguém resmungou. – São os Red & White blocs.

Era óbvio que os R&W estava ali pra criar baderna. Todo o restante da multidão tentou se afastar deles. “Vão embora, porra!” ouvi alguém gritar, mas não lhe deram atenção.

Agora dava para ver a polícia se aglomerando nas ruas laterais. Os Red & White blocs a atraíam para fora, sacudindo garrafas, gritando “Podem vir!” como fãs de Futebol® emputecidos.

Eu estava recuando. Me virei, e lá estava, o local da festa.

Hamleys, a loja de brinquedos. Os guardas armados que normalmente a protegiam deviam ter fugido muito antes, ao darem de cara com esse caos. Levantei a cabeça e vi rostos horrorizados nas janelas.
Eu devia estar lá em cima, pensei. Com vocês. Eles eram os convidados da festa. Crianças e seus pais, cercados pela manifestação, vendo a chegada da polícia.

E, ah, lá estava Annie, gritando para mim, parada sob a marquise da Hamleys. Soltei um grito de alívio e corri até ela.

– O que está acontecendo? -ela gritou. Parecia apavorada. O Esquadrão Natividade estava se aproximando dos provocadores dos Red & White blocs, batendo com seus cassetetes em escudos enfeitados com guirlandas.

– Puta merda -sussurrei. Envolvi Annie com meus braços para protegê-la. – Vai dar problema -eu falei. -Se prepare pra correr.

Mas nós ficamos ali, tensos e, de repente, uma coisa surpreendente aconteceu. Eu pisquei e, do nada, apareceu um rapaz vestindo um manto branco comprido. Antes que qualquer um pudesse detê-lo, ele se posicionou entre as fileiras dos Red & White blocs e a polícia.

– Ele é louco! -alguém gritou, mas todas as centenas e centenas de pessoas foram se calando.

O homem estava cantando.

A polícia caiu em cima dele, os R&W fizeram que iam empurrá-lo pra longe, mas sua voz se elevou, e ambos os lados hesitaram. Eu nunca tinha visto alguém tão lindo.

Ele cantou uma única nota, de uma pureza que não era deste mundo. Ele a fez durar, por longos segundos, e depois continuou:

“Ai, vinde todos à porfia/ Cantar um hino de louvor.”

Ele fez uma pausa, até que a tensão entre nós chegou ao limite.

“Hino de paz e alegria/ Que os anjos cantam ao Senhor.”

Os Red & White blocs estavam quietos. Todo mundo estava quieto.

“Gló-ó-ó-ó-ó-ria in Excelsis Deo”

Agora os policiais estava parando. Eles abaixaram seus cassetetes. Um a um, eles puseram seus escudos de lado.

“Naquela noite venturosa/ Em que nasceu o Salvador…”

Mais figuras de branco surgiam. Eles caminharam calmamente para se juntar ao seu amigo. Assustei-me ao notar que estava tapando meus próprios olhos. Havia uma autoridade implacável nessas figuras incríveis que haviam aparecido do nada, aqueles rapazes altos, belos, e tão jovens. Seus mantos eram de um branco inconcebível. Eu não conseguia respirar.

Agora todos eles cantavam. “Gló-ó-ó-ó-ó-ó-ria in Excelsis Deo.”

Um a um, os policiais tiraram seus capacetes e se puseram a ouvir. Eu podia escutar os gritos frenéticos de seus superiores saindo dos auriculares que eles removiam.

“Naquela noite venturosa/ Em que nasceu o Salvador…” Os cantores fizeram uma pausa, até eu ficar desesperado para que eles terminassem a melodia: “Vozes de anjos harmoniosas/ Lançam ao céu este clamor”.

O grupo de policiais sorria e chorava em meio a uma montanha de cassetetes e proteções corporais descartadas. O primeiro cantor levantou a mão. Ele olhou para todo o armamento jogado ali. Declamou para os Red & White blocs.

– Vocês não deveriam ter tentado lutar -ele disse, e eles pareceram envergonhados. Ele aguardou.

– Vocês teriam sido massacrados. Ao passo que agora -ele continuou- esses idiotas se desarmaram. Agora é a hora de lutar… -Ele se girou e, ao mesmo tempo, ele e seus colegas cantores se jogaram em cima da polícia, os mantos adejando.

Os policiais indefesos ficaram pasmos, deram meia volta e saíram correndo; a multidão rugiu e começou a segui-los.

– Nós somos o Partido Cantor Radical dos Homens Gays! -o cantor principal gritou em seu registro de tenor exótico. – Orgulhosos de lutar pelo Natal do Povo!

Ele e seus camaradas começaram a entoar: – Estamos aqui! Somos o coral! Viemos pra ficar!

– É um milagre de Natal! -disse Annie. Eu simplesmente a abracei até ela resmungar – Tá bom, papai, calma.

Atrás de mim a multidão gritava, tomando as ruas.

– Esse é o problema com os Red & White blocs -resmungou Annie. – Maldita “estratégia de tensão” do caralho. Bando de aventureiros anarquistas.

– É -disse um garoto do lado dela. – Seja como for, metade deles são agentes da polícia. É a regra número um, não é? Aquele que quer mais violência é o policial.

Eu estava boquiaberto, minha cabeça indo de um para o outro, como um imbecil assistindo a uma partida de tênis.

– O quê? -eu disse finalmente.

– Qual é, pai -disse Annie. Ela beijou meu rosto.- Você nunca teria me deixado vir de outra maneira. Eu tinha que fazer você andar até aqui ou a gente teria chegado cedo demais. E ficado preso igual a eles. – Ela apontou para os ganhadores do prêmio que ainda estava encarando nos andares superiores da Hamley.- Então eu tive que sair correndo ou você nunca teria me deixado entrar. Vem.- Ela me pegou pela mão. -Agora que a gente passou pelas linhas da polícia, podemos retomar a marcha passando pela Downing Street.

– Ora, então é a oportunidade perfeita para sairmos daqui…

– Pai -ela disse. Olhou para mim com dureza.- Eu não pude acreditar quando você ganhou o prêmio. Nunca pensei que teria uma chance de vir para cá hoje.

– Alguém te agarrou -falei.

– Foi Marwan -ela indicou o rapaz que havia falado.- Pai, este é Marwan. Marwan, este é meu pai.

Marwan sorriu e apertou minha mão educadamente, mudando o cartaz de mão. “MUÇULMANOS PELO NATAL”, dizia. Ele me viu lendo.

– Isso não representa grande coisa para mim -ele disse- mas todos nós nos lembramos de como esse pessoal veio em nossa ajuda quando a Umma plc tentou privatizar o Eid. Sabe, isso foi muito importante. De qualquer maneira… -ele desviou o olhar tímido.- Eu sei que é importante para Annie -ela olhou para ele de lado. – Ah-pensei.

– Marwan é punhadodeflores, pai -disse ela.- Na internet.

– Escuta, eu tenho que dizer que estou muito irritado com isso tudo -falei. Estávamos chegando perto de Downing Street. Marwan havia se despedido na Trafalgar Square, então estávamos sós de novo, só nós e mais 10 mil pessoas. -Eu te comprei… eu perdi um monte de… tem um presentão naquela festa…

– Sendo franca, pai, eu não preciso mesmo de um console novo.

– Como você sabia…? -perguntei, mas ela já continuava sua fala.

– O que eu tenho está muito bom. De qualquer maneira, eu uso mais mesmo pra jogos de estratégia, e eles não consomem tanta energia. Além disso, tenho todos os “pinkopatches” na minha máquina. Seria um saco transferi-los, e baixá-los de novo é arriscado demais.

– Que “patches” são esses?

– Coisas tipo o Red3.6. Ele converte uma pá de jogos. Transforma SimuCityState em RedOctober. Coisas desse tipo. Eu já cheguei no nível 4. O chefe do fim do nível é um czar. Assim que eu conseguir descobrir como passar por ele eu vou chegar ao Poder Duplo.

Desisti até de tentar entender.

Na entrada da residência do primeiro-ministro havia uma enorme Árvore de Natal® branca e prata. Todo mundo começou a vaiar quando nos aproximamos. O Exército estava protegendo o local, então as pessoas fizeram questão de garantir que as vaias eram bem-humoradas. Alguém jogou um pudim de Natal, mas o povo o tirou dali rapidinho.

– Isso aí não é o Natal! -nós todos gritamos ao passar. – Isto aqui é que é o Natal!

À medida que os céus iam escurecendo, a multidão foi começando a dispersar um pouco, antes que a polícia pudesse se reagrupar. Passamos por um contingente em que todos usavam bandanas vermelhas e nos somamos à cantoria deles:

“Já faz tempo que eu pedi/ Mas o meu Papai Noel não vem/ Com certeza já morreu/ E a Internacional/ É tudo que a gente tem.”

– Mesmo assim -eu disse- estou um pouco chateado por você não ter conseguido ver a festa.

– Pai -disse Annie, e me sacudiu.- Este foi o melhor Natal de todos. De todos. OK? E foi tão maravilhoso passar ele com você.

Ela me olhou de lado.

– Já adivinhou? -ela perguntou.- Qual é o seu presente?

Ela estava me encarando, bem séria, bem intensamente. Fiquei bastante emocionado.

Pensei em tudo o que havia acontecido naquele dia e nas minhas reações. Tudo pelo qual eu havia passado e visto e integrado. Percebi como eu me sentia diferente agora do que naquela manhã. Era uma revelação surpreendente.

– Sim… -hesitei.- Sim, acho que sim. Obrigado, meu amor.

– O quê? -ela disse. – Você adivinhou? Merda.

Ela segurava um pacotinho embrulhado. Era uma gravata.

CHINA MIÉVILLE, 42, escritor britânico, autor do romance “A Cidade e a Cidade”, que acaba de sair no Brasil pela Boitempo.

FÁBIO FERNANDES, 48, é tradutor, responsável por trazer ao português livros como “Laranja Mecânica” (Aleph).

ODYR, 47, quadrinista, ilustrou “Guadalupe” (Quadrinhos na Cia.), de Angélica Freitas.

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0293 – Estamos indo direto para o matadouro, diz Antonio Nobre

https://leonardoboff.wordpress.com/2014/11/01/estamos-indo-direto-para-o-matadouro-diz-antonio-nobre/

 

“Estamos indo direto para o matadouro”, diz Antonio Nobre

01/11/2014
Antonio Donato Nobre é um dos nossos melhores cientistas, pertence ao grupo do IPCC que mede o aquecimento da Terra e um especilista em questões amazônicas. É  mundialmente conhecido como  pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Sustenta que o desmatamento para já, inclusive o permitido por lei sem prejuizo do agronegócio que de ve incorpar fatores novos da falta de água e das secas prolongadas. Enfatiza:”A agricultura consciente, se soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas e plantando árvores em sua propriedade”. Publicamos aqui sua entrevista aparecida no IHU de 31 de outubro de 2014, dada a urgência do tema e seus efeitos maléficos notados no Sudeste, especialmente na metrópole de São Paulo. Temos que divulgar conhecimentos para assumirmos atitudes corretas e organizarmos nosso desenvolvimento a partir destes dados inegáveis:Lboff*********************************

Eis a entrevista.

Quanto já desmatamos da Amazônia brasileira?

Só de corte raso, nos últimos 40 anos, foram três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões. São 184 milhões de campos de futebol, quase um campo por brasileiro. A velocidade do desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se deslocando a 726 km/hora – uma espécie de trator do fim do mundo. A área que foi destruída corresponde a uma estrada de 2 km de largura, da Terra até a Lua. E não estou falando de degradação florestal.

Essa é a “guilhotina de árvores” que o senhor menciona?

Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 40 anos, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto. É o clima que sente cada árvore que é retirada da Amazônia. O desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa.

O sr. pode explicar?

Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais. Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar.

A mudança climática…

A mudança climática já chegou. Não é mais previsão de modelo, é observação de noticiário. Os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante, fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global. As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário está entrando em falência como previsto, só que mais rápido.

No estudo o sr. relaciona destruição da floresta e clima?

A literatura é abundante, há milhares de artigos escritos, mais de duas dúzias de projetos grandes sendo feitos na Amazônia, com dezenas de cientistas. Li mais de 200 artigos em quatro meses. Nesse estudo quis esclarecer conexões, porque esta discussão é fragmentada. “Temos que desenvolver o agronegócio. Mas e a floresta? Ah, floresta não é assunto meu”. Cada um está envolvido naquilo que faz e a fragmentação tem sido mortal para os interesses da humanidade. Quando fiz a síntese destes estudos, eu me assombrei com a gravidade da situação.

Qual é a situação?

A situação é de realidade, não mais de previsões. No arco do desmatamento, por exemplo, o clima já mudou. Lá está aumentando a duração da estação seca e diminuindo a duração e volume de chuva. Agricultores do Mato Grosso tiveram que adiar o plantio da soja porque a chuva não chegou. Ano após ano, na região leste e sul da Amazônia, isso está ocorrendo. A seca de 2005 foi a mais forte em cem anos. Cinco anos depois teve a de 2010, mais forte que a de 2005. O efeito externo sobre a Amazônia já é realidade. O sistema está ficando em desarranjo.

A seca em São Paulo se relaciona com mudança do clima?

Pegue o noticiário: o que está acontecendo na Califórnia, na América Central, em partes da Colômbia? É mundial. Alguém pode dizer – é mundial, então não tem nada a ver com a Amazônia. É aí que está a incompreensão em relação à mudança climática: tem tudo a ver com o que temos feito no planeta, principalmente a destruição de florestas. A consequência não é só em relação ao CO2 que sai, mas a destruição de floresta destrói o sistema de condicionamento climático local. E isso, com as flutuações planetárias da mudança do clima, faz com que não tenhamos nenhuma almofada.

Almofada?

A floresta é um seguro, um sistema de proteção, uma poupança. Se aparece uma coisa imprevista e você tem algum dinheiro guardado, você se vira. É o que está acontecendo agora, não sentimos antes os efeitos da destruição de 500 anos da Mata Atlântica, porque tínhamos a “costa quente” da Amazônia. A sombra úmida da floresta amazônica não permitia que sentíssemos os efeitos da destruição das florestas locais.

O sr. fala em tapete tecnológico da Amazônia. O que é?

Eu queria mostrar o que significa aquela floresta. Até eucalipto tem mais valor que floresta nativa. Se olharmos no microscópio, a floresta é a hiper abundância de seres vivos e qualquer ser vivo supera toda a tecnologia humana somada. O tapete tecnológico da Amazônia é essa assembleia fantástica de seres vivos que operam no nível de átomos e moléculas, regulando o fluxo de substâncias e de energia e controlando o clima.

O sr. fala em cinco segredos da Amazônia. Quais são?

O primeiro é o transporte de umidade continente adentro. O oceano é a fonte primordial de toda a água. Evapora, o sal fica no oceano, o vento empurra o vapor que sobe e entra nos continentes. Na América do Sul, entra 3.000 km na direção dos Andes com umidade total. O segredo? Os gêiseres da floresta.

Gêiseres da floresta?

É uma metáfora. Uma árvore grande da Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca mais de mil litros de água em um dia, pela transpiração. Fizemos a conta para a bacia Amazônica toda, que tem 5,5 milhões de km2: saem desses gêiseres de madeira 20 bilhões de toneladas de água diárias. O rio Amazonas, o maior rio da Terra, que joga 20% de toda a água doce nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia. Esse fluxo de vapor que sai das árvores da floresta é maior que o Amazonas. Esse ar que vai progredindo para dentro do continente vai recebendo o fluxo de vapor da transpiração das árvores e se mantém úmido, e, portanto, com capacidade de fazer chover. Essa é uma característica das florestas.

É o que faz falta em São Paulo?

Sim, porque aqui acabamos com a Mata Atlântica, não temos mais floresta.

Qual o segundo segredo?

Chove muito na Amazônia e o ar é muito limpo, como nos oceanos, onde chove pouco. Como, se as atmosferas são muito semelhantes? A resposta veio do estudo de aromas e odores das árvores. Esses odores vão para atmosfera e quando têm radiação solar e vapor de água, reagem com o oxigênio e precipitam uma poeira finíssima, que atrai o vapor de água. É um nucleador de nuvens. Quando chove, lava a poeira, mas tem mais gás e o sistema se mantém.

E o terceiro segredo?

A floresta é um ar-condicionado e produz um rio amazônico de vapor. Essa formação maciça de nuvens abaixa a pressão da região e puxa o ar que está sobre os oceanos para dentro da floresta. É um cabo de guerra, uma bomba biótica de umidade, uma correia transportadora. E na Amazônia, as árvores são antigas e têm raízes que buscam água a mais de 20 metros de profundidade, no lençol freático. A floresta está ligada a um oceano de água doce embaixo dela. Quando cai a chuva, a água se infiltra e alimenta esses aquíferos.

Como tudo isso se relaciona à seca de São Paulo?

No quarto segredo. Estamos em um quadrilátero da sorte – uma região que vai de Cuiabá aBuenos Aires no Sul, São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da América do Sul. Se olharmos o mapa múndi, na mesma latitude estão o deserto do Atacama, o Kalahari, o deserto da Namíbia e o da Austrália. Mas aqui, não, essa região era para ser um deserto. E no entanto não é, é irrigada, tem umidade. De onde vem a chuva? A Amazônia exporta umidade. Durante vários meses do ano chega por aqui, através de “rios aéreos”, o vapor que é a fonte da chuva desse quadrilátero.

E o quinto segredo?

Onde tem floresta não tem furacão nem tornado. Ela tem um papel de regularização do clima, atenua os excessos, não deixa que se organizem esses eventos destrutivos. É um seguro.

Qual o impacto do desmatamento então?

O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, aí não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo. Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E parar agora não resolve mais.

Como não resolve mais?

Parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem. A única reação adequada neste momento é fazer um esforço de guerra. A evidência científica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. Mas isso será insuficiente, temos que replantar florestas, refazer ecossistemas. É a nossa grande oportunidade.

E se não fizermos isso?

Veja pela janela o céu que tem em São Paulo – é de deserto. A destruição da Mata Atlânticanos deu a ilusão de que estava tudo bem, e o mesmo com a destruição da Amazônia. Mas isso é até o dia em que se rompe a capacidade de compensação, e é esse nível que estamos atingindo hoje em relação aos serviços ambientais. É muito sério, muito grave. Estamos indo direto para o matadouro.

O que o sr. está dizendo?

Agora temos que nos confrontar com o desmatamento acumulado. Não adianta mais dizer “vamos reduzir a taxa de desmatamento anual.” Temos que fazer frente ao passivo, é ele que determina o clima.

Tem quem diga que parte desses campos de futebol viraram campos de soja.

O clima não dá a mínima para a soja, para o clima importa a árvore. Soja tem raiz de pouca profundidade, não tem dossel, tem raiz curta, não é capaz de bombear água. Os sistemas agrícolas são extremamente dependentes da floresta. Se não chegar chuva ali, a plantação morre.

O que significa tudo isso? Que vai chover cada vez menos?

Significa que todos aqueles serviços ambientais estão sendo dilapidados. É a mesma coisa que arrebentar turbinas na usina de Itaipu – aí não tem mais eletricidade. É de clima que estamos falando, da umidade que vem da Amazônia. É essa a dimensão dos serviços que estamos perdendo. Estamos perdendo um serviço que era gratuito que trazia conforto, que fornecia água doce e estabilidade climática. Um estudo feito na Geórgia por uma associação do agronegócio com ONGs ambientalistas mediu os serviços de florestas privadas para áreas urbanas. Encontraram um valor de US$ 37 bilhões. É disso que estamos falando, de uma usina de serviços.

As pessoas em São Paulo estão preocupadas com a seca.

Sim, mas quantos paulistas compraram móveis e construíram casas com madeira da Amazônia e nem perguntaram sobre a procedência? Não estou responsabilizando os paulistas porque existe muita inconsciência sobre a questão. Mas o papel da ciência é trazer o conhecimento. Estamos chegando a um ponto crítico e temos que avisar.

Esse ponto crítico é ficar sem água?

Entre outras coisas. Estamos fazendo a transposição do São Francisco para resolver o problema de uma área onde não chove há três anos. Mas e se não tiver água em outros lugares? E se ocorrer de a gente destruir e desmatar de tal forma que a região que produz 70% do PIB cumpra o seu destino geográfico e vire deserto? Vamos buscar água no aquífero?

Não é uma opção?

No norte de Pequim, os poços estão já a dois quilômetros de profundidade. Não tem uso indefinido de uma água fóssil, ela tem que ter algum tipo de recarga. É um estoque, como petróleo. Usa e acaba. Só tem um lugar que não acaba, o oceano, mas é salgado.

O esforço de guerra é para acabar com o desmatamento?

Tinha que ter acabado ontem, tem que acabar hoje e temos que começar a replantar florestas. Esse é o esforço de guerra. Temos nas florestas nosso maior aliado. São uma tecnologia natural que está ao nosso alcance. Não proponho tirar as plantações de soja ou a criação de gado para plantar floresta, mas fazer o uso inteligente da paisagem, recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e replantar florestas em grande escala. Não só naAmazônia. Aqui em São Paulo, se tivesse floresta, o que eu chamo de paquiderme atmosférico…

Como é?

É a massa de ar quente que “sentou” no Sudeste e não deixa entrar nem a frente fria pelo Sul nem os rios voadores da Amazônia.

O que o governo do Estado deveria fazer?

Programas massivos de replantio de reflorestas. Já. São Paulo tem que erradicar totalmente a tolerância com relação a desmatamento. Segunda coisa: ter um esforço de guerra no replantio de florestas. Não é replantar eucalipto. Monocultura de eucalipto não tem este papel em relação a ciclo hidrológico, tem que replantar floresta e acabar com o fogo. Poderia começar reconstruindo ecossistemas em áreas degradadas para não competir com a agricultura.

Onde?

Nos morros pelados onde tem capim, nos vales, em áreas íngremes. Em vales onde só tem capim, tem que plantar árvores da Mata Atlântica. O esforço de guerra para replantar tem que juntar toda a sociedade. Precisamos reconstruir as florestas, da melhor e mais rápida forma possível.

E o desmatamento legal?

Nem pode entrar em cogitação. Uma lei que não levou em consideração a ciência e prejudica a sociedade, que tira água das torneiras, precisa ser mudada.

O que achou de Dilma não ter assinado o compromisso de desmatamento zero em 2030, na reunião da ONU, em Nova York?

Um absurdo sem paralelo. A realidade é que estamos indo para o caos. Já temos carros-pipa na zona metropolitana de São Paulo. Estamos perdendo bilhões de dólares em valores que foram destruídos. Quem é o responsável por isso? Um dia, quando a sociedade se der conta, a Justiça vai receber acusações. Imagine se as grandes áreas urbanas, que ficarem em penúria hídrica, responsabilizarem os grandes lordes do agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. Espero que não se chegue a essa situação. Mas a realidade é que a torneira da sua casa está secando.

Quanto a floresta consegue suportar?

Temos uma floresta de mais de 50 milhões de anos. Nesse período é improvável que não tenham acontecido cataclismas, glaciação e aquecimento, e no entanto a Amazônia e aMata Atlântica ficaram aí. Quando a floresta está intacta, tem capacidade de suportar. É a mesma capacidade do fígado do alcoólatra que, mesmo tomando vários porres, não acontece nada se está intacto. Mas o desmatamento faz com que a capacidade de resiliência que tínhamos, com a floresta, fique perdida.

Aí vem uma flutuação forte ligado à mudança climática global e nós ficamos muito expostos, como é o caso do “paquiderme atmosférico” que sentou no Sudeste. Se tivesse floresta aqui, não aconteceria, porque a floresta resfria a superfície e evapora quantidade de água que ajuda a formar chuva.

O esforço terá resultado?

Isso não é garantido, porque existem as mudanças climáticas globais, mas reconstruir ecossistemas é a melhor opção que temos. Quem sabe a gente desenvolva outra agricultura, mais harmônica, de serviços agroecossistêmicos. Não tem nenhuma razão para o antagonismo entre agricultura e conservação ambiental. Ao contrário. A agricultura consciente, que soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas. E, por iniciativa própria, replantaria a floresta nas suas propriedades.

0292 – Economista cria termo precariado para explicar classe pós-proletariado

Economista cria termo precariado para explicar classe pós-proletariado

No livro ‘Os incompreendidos’, Guy Standing explica o surgimento de uma classe que não possue direitos políticos, sociais, civis, nem econômicos

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Guy Standing é PhD pela Universidade de Cambridge, professor de Estudos do Desenvolvimento, da Escola de Estudos Oriental e Africano da Universidade de Londres, e ex-diretor da Organização Internacional do Trabalho. No livro O Precariado: a Nova Classe Perigosa, ele inventa um neologismo, “precariado” (precariat, em inglês), para sintetizar a dupla condição de proletários e precários dessa parcela da população.

Tais pessoas, que não se sentem representadas, ocupam ruas e praças de metrópoles mundiais, muitas vezes com reivindicações difusas, ou nenhuma reivindicação. Trata-se do pós-proletariado, classe que se sente perdendo seus direitos culturais, civis, sociais, políticos e econômicos.

No livro, ele explica a perda de direitos. Um motivo é a globalização; outro nasce das estratégias econômicas neoliberais. Em função da crise internacional, muitos profissionais não têm emprego em suas áreas de especialização e trabalham em funções em que não podem aplicar o seu conhecimento.

O novo estrato foi gerado na mais recente crise da sociedade capitalista, em que apenas 1% da população está no topo da sociedade. A seguir, estão os assalariados, de certa forma com boa renda. Paralelamente, surgem os empreendedores, os donos de start-ups. Abaixo, está o proletariado clássico, que tem emprego estável e é representado por sindicatos. Por fim, há os precariados, que tanto os movimentos sindicais como os governos têm dificuldade de compreender e atender à sua insatisfação.

Entre as características dessa nova classe, destacam-se: seus integrantes costumam ter empregos casuais, o que não permite a eles ter uma narrativa pessoal. Também fazem muitas coisas pelas quais não são remuneradas: preparam  curriculum vitae, perdem horas à procura de emprego, em preenchimento de formulários, e vivem em cursos de requalificação profissional, muitas vezes inócuos.

A consequência política desse fenômeno é que essa camada da população é uma presa fácil de partidos ou governos fascistas e populistas, que se aproveitam da sua insegurança e de seus medos.

Para o economista, os partidos políticos progressistas e os sindicatos ainda não entenderam o pós-proletariado, que não quer voltar a ser proletariado.

Segundo sua avaliação, a esquerda parece ter esquecido a necessidade uma nova transformação em direção à maior igualdade e liberdade e os sindicatos hoje são vistos como algo para proteger privilegiados.

Os bens almejados hoje, além do emprego, são segurança, controle do próprio  tempo e conquista de espaços públicos de qualidade, como parques e museus. Por fim, essas pessoas querem educação de ponta e conhecimento financeiro, para melhor lidar com a renda e o crédito.

Em tempo, o livro de Standing, indiretamente, ajuda a melhor assimilar as jornadas de junho de 2013 no Brasil. Os sinais de inquietação ainda se fazem sentir em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, entre tantas cidades brasileiras.

0291 – A mais maldita das heranças do PT

http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/16/opinion/1426515080_777708.html

A mais maldita das heranças do PT

Mais brutal para o Partido dos Trabalhadores pode ser não a multidão que ocupou as ruas em 15 de março, mas aquela que já não sairia de casa para defendê-lo em dia nenhum

O maior risco para o PT, para além do Governo e do atual mandato, talvez não seja a multidão que ocupou as ruas do Brasil, mas a que não estava lá. São os que não estavam nem no dia 13 de março, quando movimentos como CUT, UNE e MST organizaram uma manifestação que, apesar de críticas a medidas de ajuste fiscal tomadas pelo Governo, defendia a presidente Dilma Rousseff. Nem estavam no já histórico domingo, 15 de março, quando centenas de milhares de pessoas aderiram aos protestos, em várias capitais e cidades do país, em manifestações contra Dilma Rousseff articuladas nas redes sociais da internet, com bandeiras que defendiam o fim da corrupção, o impeachment da presidente e até uma aterradora, ainda que minoritária, defesa da volta da ditadura. São os que já não sairiam de casa em dia nenhum empunhando uma bandeira do PT, mas que também não atenderiam ao chamado das forças de 15 de março, os que apontam que o partido perdeu a capacidade de representar um projeto de esquerda – e gente de esquerda. É essa herança do PT que o Brasil, muito mais do que o partido, precisará compreender. E é com ela que teremos de lidar durante muito mais tempo do que o desse mandato.

Tenho dúvidas sobre a tecla tão batida por esses dias do Brasil polarizado. Como se o país estivesse dividido em dois polos opostos e claros. Ou, como querem alguns, uma disputa de ricos contra pobres. Ou, como querem outros, entre os cidadãos contra a corrupção e os beneficiados pela corrupção. Ou entre os a favor e os contra o Governo. Acho que a narrativa da polarização serve muito bem a alguns interesses, mas pode ser falha para a interpretação da atual realidade do país. Se fosse simples assim, mesmo com a tese do impeachment nas ruas, ainda assim seria mais fácil para o PT.

Algumas considerações prévias. Se no segundo turno das eleições de 2014, Dilma Rousseff ganhou por uma pequena margem – 54.501.118 votos contra 51.041.155 de Aécio Neves –, não há dúvida de que ela ganhou. Foi democraticamente eleita, fato que deve ser respeitado acima de tudo. Não existe até esse momento nenhuma base para impeachment, instrumento traumático e seríssimo que não pode ser manipulado com leviandade, nem mesmo no discurso. Quem não gostou do resultado ou se arrependeu do voto, paciência, vai ter de esperar a próxima eleição. Os resultados valem também quando a gente não gosta deles. E tentar o contrário, sem base legal, é para irresponsáveis ou ignorantes ou golpistas.

No resultado das eleições ampliou-se a ressonância da tese de um país partido e polarizado. Mas não me parece ser possível esquecer que outros 37.279.085 brasileiros não escolheram nem Dilma nem Aécio, votando nulo ou branco e, a maior parte, se abstendo de votar. É muita gente – e é muita gente que não se sentia representada por nenhum dos dois candidatos, pelas mais variadas razões, à esquerda e também à direita, o que complica um pouco a tese da polarização. Além das divisões entre os que se polarizariam em um lado ou outro, há mais atores no jogo que não estão nem em um lado nem em outro. E não é tão fácil compreender o papel que desempenham. No mesmo sentido, pode ser muito arriscado acreditar que quem estava nos protestos neste domingo eram todos eleitores de Aécio Neves. A rua é, historicamente, o território das incertezas – e do incontrolável.

Na tese do Brasil polarizado, onde ficam os mais de 37 milhões que não votaram nem em Dilma nem em Aécio?

Há lastro na realidade para afirmar também que uma parte dos que só aderiram à Dilma Rousseff no segundo turno era composta por gente que acreditava em duas teses amplamente esgrimidas na internet às vésperas da votação: 1) a de que Dilma, assustada por quase ter perdido a eleição, em caso de vitória faria “uma guinada à esquerda”, retomando antigas bandeiras que fizeram do PT o PT; 2) a de votar em Dilma “para manter as conquistas sociais” e “evitar o mal maior”, então representado por Aécio e pelo PSDB. Para estes, Dilma Rousseff não era a melhor opção, apenas a menos ruim para o Brasil. E quem pretendia votar branco, anular o voto ou se abster seria uma espécie de traidor da esquerda e também do país e do povo brasileiro, ou ainda um covarde, acusações que ampliaram, às vésperas das eleições, a cisão entre pessoas que costumavam lutar lado a lado pelas mesmas causas. Neste caso, escolhia-se ignorar, acredito que mais por desespero eleitoral do que por convicção, que votar nulo, branco ou se abster também é um ato político.

Faz sentido suspeitar que uma fatia significativa destes que aderiram à Dilma apenas no segundo turno, que ou esperavam “uma guinada à esquerda” ou “evitar o mal maior”, ou ambos, decepcionaram-se com o seu voto depois da escolha de ministros como Kátia Abreu eJoaquim Levy, à direita no espectro político, assim como com medidas que afetaram os direitos dos trabalhadores. Assim, se a eleição fosse hoje, é provável que não votassem nela de novo. Esses arrependidos à esquerda aumentariam o número de eleitores que, pelas mais variadas razões, votaram em branco, anularam ou não compareceram às urnas, tornando maior o número de brasileiros que não se sentem representados por Dilma Rousseff e pelo PT, nem se sentiriam representados por Aécio Neves e pelo PSDB.

Esses arrependidos à esquerda, assim como todos aqueles que nem sequer cogitaram votar em Dilma Rousseff nem em Aécio Neves porque se situam à esquerda de ambos, tampouco se sentem identificados com qualquer um dos grupos que foi para as ruas no domingo contra a presidente. Para estes, não existe a menor possibilidade de ficar ao lado de figuras como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP) ou de defensores da ditadura militar ou mesmo de Paulinho da Força. Mas também não havia nenhuma possibilidade de andar junto com movimentos como CUT, UNE e MST, que para eles “pelegaram” quando o PT chegou ao poder: deixaram-se cooptar e esvaziaram-se de sentido, perdendo credibilidade e adesão em setores da sociedade que costumavam apoiá-los.

Não há hoje uma figura nacional para ocupar o lugar de representação da esquerda

Essa parcela da esquerda – que envolve desde pessoas mais velhas, que historicamente apoiaram o PT, e muitos até que ajudaram a construí-lo, mas que se decepcionaram, assim como jovens filhos desse tempo, em que a ação política precisa ganhar horizontalidade e se construir de outra maneira e com múltiplos canais de participação efetiva – não encontrou nenhum candidato que a representasse. No primeiro turno, dividiram seus votos entre os pequenos partidos de esquerda, como o PSOL, ou votaram em Marina Silva, em especial por sua compreensão da questão ambiental como estratégica, num mundo confrontado com a mudança climática, mas votaram com dúvidas. No segundo turno, não se sentiram representados por nenhum dos candidatos.

Marina Silva foi quem chegou mais perto de ser uma figura com estatura nacional de representação desse grupo à esquerda, mais em 2010 do que em 2014. Mas fracassou na construção de uma alternativa realmente nova dentro da política partidária. Em parte por não ter conseguido registrar seu partido a tempo de concorrer às eleições, o que a fez compor com o PSB, sigla bastante complicadapara quem a apoiava, e assumir a cabeça de chapa por conta de uma tragédia que nem o mais fatalista poderia prever; em parte por conta da campanha mentirosa e de baixíssimo nível que o PT fez contra ela; em parte por equívocos de sua própria campanha, como a mudança do capítulo do programa em que falava de sua política para os LGBTs, recuo que, além de indigno, só ampliou e acentuou a desconfiança que muitos já tinham com relação à interferência de sua fé evangélica em questões caras como casamento homoafetivo e aborto; em parte porque escolheu ser menos ela mesma e mais uma candidata que supostamente seria palatável para estratos da população que precisava convencer. São muitas e complexas as razões.

O que aconteceu com Marina Silva em 2014 merece uma análise mais profunda. O fato é que, embora ela tenha ganhado, no primeiro turno de 2014, cerca de 2,5 milhões de votos a mais do que em 2010, seu capital político parece ter encolhido, e o partido que está construindo, a Rede Sustentabilidade, já sofreu deserções de peso. Talvez ela ainda tenha chance de recuperar o lugar que quase foi seu, mas não será fácil. Esse é um lugar vago nesse momento.

Há uma parcela politizada, à esquerda, que hoje não se sente representada nem pelo PT nem pelo PSDB, não participou de nenhum dos panelaços nem de nenhuma das duas grandes manifestações dos últimos dias, a de 15 de março várias vezes maior do que a do dia 13. É, porém, muito atuante politicamente em várias áreas e tem grande poder de articulação nas redes sociais. Não tenho como precisar seu tamanho, mas não é desprezível. É com essa parcela de brasileiros, que votou em Lula e no PT por décadas, mas que deixou de votar, ou de jovens que estão em movimentos horizontais apartidários, por causas específicas, que apontam o que de fato deveria preocupar o PT, porque esta era ou poderia ser a sua base, e foi perdida.

O partido das ruas perdeu as ruas porque acreditou que não precisava mais caminhar por elas

A parcela de esquerda que não bateria panelas contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderia, aponta a falência do PT em seguir representando o que representou no passado. Aponta que, em algum momento, para muito além do Mensalão e da Lava Jato, o PT escolheu se perder da sua base histórica, numa mistura de pragmatismo com arrogância. É possível que o PT tenha deixado de entender o Brasil. Envelhecido, não da forma desejável, representada por aqueles que continuam curiosos em compreender e acompanhar as mudanças do mundo, mas envelhecido da pior forma, cimentando-se numa conjuntura histórica que já não existe. E que não voltará a existir. Essa aposta arriscada precisa que a economia vá sempre bem; quando vai mal, o chão desaparece.

Fico perplexa quando lideranças petistas, e mesmo Lula, perguntam-se, ainda que retoricamente, por que perderam as ruas. Ora, perderam porque o PT gira em falso. O partido das ruas perdeu as ruas – menos porque foi expulso, mais porque se esqueceu de caminhar por elas. Ou, pior, acreditou que não precisava mais. Nesse contexto, Dilma Rousseff é só a personagem trágica da história, porque em algum momento Lula, com o aval ativo ou omisso de todos os outros, achou que poderia eleger uma presidente que não gosta de fazer política. Estava certo a curto prazo, podia. Mas sempre há o dia seguinte.

Não adianta ficar repetindo que só bateu panela quem é da elite. Pode ter sido maior o barulho nos bairros nobres de São Paulo, por exemplo, mas basta um pequeno esforço de reportagem para constatar que houve batuque de panelas também em bairros das periferias. Ainda que as panelas batessem só nos bairros dos ricos e da classe média, não é um bom caminho desqualificar quem protesta, mesmo que você ou eu não concordemos com a mensagem, com termos como “sacada gourmet” ou “panelas Le Creuset”. Todos têm direito de protestar numa democracia e muitos dos que ridicularizam quem protestou pertencem à mesma classe média e talvez tenham uma ou outra panelinha Le Creuset ou até pagou algumas prestações a mais no apartamento para ter uma sacada gourmet, o que não deveria torná-los menos aptos nem a protestar nem a criticar o protesto.

Nos panelaços, só o que me pareceu inaceitável foi chamar a presidente de “vagabunda” ou de “vaca”, não apenas porque é fundamental respeitar o seu cargo e aqueles que a elegeram, mas também porque não se pode chamar nenhuma mulher dessa maneira. E, principalmente, porque o “vaca” e o “vagabunda” apontam a quebra do pacto civilizatório. É nesses xingamentos, janela a janela, que está colocado o rompimento dos limites, o esgarçamento do laço social. Assim como, no domingo de 15 de março, essa ruptura esteve colocada naqueles que defendiam a volta da ditadura. Não há desculpa para desconhecer que o regime civil militar que dominou o Brasil pela força por 21 anos torturou gente, inclusive crianças, e matou gente. Muita gente. Assim, essa defesa é inconstitucional e criminosa. Com isso, sim, precisamos nos preocupar, em vez de misturar tudo numa desqualificação rasteira. É urgente que a esquerda faça uma crítica (e uma autocrítica) consistente, se quiser ter alguma importância nesse momento agudo do país.

Tão ou mais importante do que a corrupção, que não foi inventada pelo PT no Brasil, é o fato de o partido ter traído algumas de suas bandeiras de identidade

Também não adianta continuar afirmando que quem foi para as ruas é aquela fatia da população que é contra as conquistas sociais promovidas pelo governo Lula, que tirou da miséria milhões de brasileiros e fez com que outros milhões ascendessem ao que se chamou de classe C. Pessoas as quais é preciso respeitar mais pelo seu passado do que pelo seu presente ficaram repetindo na última semana que quem era contra o PT não gostava de pobres nos aeroportos ou estudando nas universidades, entre outras máximas. É fato que existem pessoas incomodadas com a mudança histórica que o PT reconhecidamente fez, mas dizer que toda oposição ao PT e ao Governo é composta por esse tipo de gente, ou é cegueira ou é má fé.

Num momento tão acirrado, todos que têm expressão pública precisam ter muito mais responsabilidade e cuidado para não aumentar ainda mais o clima de ódio – e disseminar preconceitos já se provou um caminho perigoso. Até a negação deve ter limites. E a negação é pior não para esses ricos caricatos, mas para o PT, que já passou da hora de se olhar no espelho com a intenção de se enxergar. De novo, esse discurso sem rastro na realidade apenas gira em falso e piora tudo. Mesmo para a propaganda e para o marketing, há limites para a falsificação da realidade. Se é para fazer publicidade, a boa é aquela capaz de captar os anseios do seu tempo.

É também por isso que me parece que o grande problema para o PT não é quem foi para as ruas no domingo, nem quem bateu panela, mas quem não fez nem uma coisa nem outra, mas também não tem a menor intenção de apoiá-lo, embora já o tenha feito no passado ou teria feito hoje se o PT tivesse respeitado as bandeiras do passado. Estes apontam o que o PT perdeu, o que já não é, o que possivelmente não possa voltar a ser.

O PT traiu algumas de suas bandeiras de identidade, aquelas que fazem com que em seu lugar seja preciso colocar máscaras que não se sustentam por muito tempo. Traiu não apenas por ter aderido à corrupção, que obviamente não foi inventada por ele na política brasileira, fato que não diminui em nada a sua responsabilidade. A sociedade brasileira, como qualquer um que anda por aí sabe, é corrupta da padaria da esquina ao Congresso. Mas ser um partido “ético” era um traço forte da construção concreta e simbólica do PT, era parte do seu rosto, e desmanchou-se. Embora ainda existam pessoas que merecem o máximo respeito no PT, assim como núcleos de resistência em determinadas áreas, secretarias e ministérios, e que precisam ser reconhecidos como tal, o partido traiu causas de base, aquelas que fazem com que se desconheça. Muitos dos que hoje deixaram de militar ou de apoiar o PT o fizeram para serem capazes de continuar defendendo o que o PT acreditava. Assim como compreenderam que o mundo atual exige interpretações mais complexas. Chamar a estes de traidores ou de fazer o jogo da direita é de uma boçalidade assombrosa. Até porque, para estes, o PT é a direita.

A síntese das contradições e das traições do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte

A parcela à esquerda que preferiu ficar fora de manifestações a favor ou contra lembra que tão importante quando discutir a corrupção na Petrobras é debater a opção por combustíveis fósseis que a Petrobras representa, num momento em que o mundo precisa reduzir radicalmente suas emissões de gases do efeito estufa. Lembra que estimular a compra de carros como o Governo federal fez é contribuir com o transporte privado individual motorizado, em vez de investir na ampliação do transporte público coletivo, assim como no uso das bicicletas. É também ir na contramão ao piorar as condições ambientais e de mobilidade, que costumam mastigar a vida de milhares de brasileiros confinados por horas em trens e ônibus lotados num trânsito que não anda nas grandes cidades. Lembra ainda que estimular o consumo de energia elétrica, como o Governo fez, é uma irresponsabilidade não só econômica, mas socioambiental, já que os recursos são caros e finitos. Assim como olhar para o colapso da água visando apenas obras emergenciais, mas sem se preocupar com a mudança permanente de paradigma do consumo e sem se preocupar com o desmatamento tanto da floresta amazônica quanto do Cerrado quanto das nascentes do Sudeste e dos últimos redutos sobreviventes de Mata Atlântica fora e dentro das cidades é um erro monumental a médio e a longo prazos.

Os que não bateram panelas contra o PT e que não bateriam a favor lembram que a forma de ver o país (e o mundo) do lulismo pode ser excessivamente limitada para dar conta dos vários Brasis. Povos tradicionais e povos indígenas, por exemplo, não cabem nem na categoria “pobres” nem na categoria “trabalhadores”. Mas, ao fazer grandes hidrelétricas na Amazônia, ao ser o governo de Dilma Rousseff o que menos demarcou terras indígenas, assim como teve desempenho pífio na criação de reservas extrativistas e unidades de conservação, ao condenar os povos tradicionais ao etnocídio ou à expulsão para a periferia das cidades, é em pobres que são convertidos aqueles que nunca se viram nesses termos. Em parte, a construção objetiva e simbólica de Lula – e sua forma de ver o Brasil e o mundo – encarna essa contradição (escrevi sobre isso aqui), que o PT não foi capaz nem quis ser capaz de superar no poder. Em vez de enfrentá-la, livrou-se dos que a apontavam, caso de Marina Silva.

O PT no Governo priorizou um projeto de desenvolvimento predatório, baseado em grandes obras, que deixou toda a complexidade socioambiental de fora. Escolha inadmissível num momento em que a ação do homem como causa do aquecimento global só é descartada por uma minoria de céticos do clima, na qual se inclui o atual ministro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, mais uma das inacreditáveis escolhas de Dilma Rousseff. A síntese das contradições – e também das traições – do PT no poder não é a Petrobras, mas Belo Monte. Sobre a usina hidrelétrica já pesa a denúncia de que só a construtora Camargo Corrêa teria pagado mais de R$ 100 milhões em propinas para o PT e para o PMDB. É para Belo Monte que o país precisaria olhar com muito mais atenção. É na Amazônia, onde o PT reproduziu a visão da ditadura ao olhar para a floresta como um corpo para a exploração, que as fraturas do partido ao chegar ao poder se mostram em toda a sua inteireza. E é também lá que a falácia de que quem critica o PT é porque não gosta de pobre vira uma piada perversa.

A sorte do PT é que a Amazônia é longe para a maioria da população e menos contada pela imprensa do que deveria, ou contada a partir de uma visão de mundo urbana que não reconhece no outro nem a diferença nem o direito de ser diferente. Do contrário, as barbaridades cometidas pelo PT contra os trabalhadores pobres, os povos indígenas e as populações tradicionais, e contra uma floresta estratégica para o clima, para o presente e para o futuro, seriam reconhecidas como o escândalo que de fato são. É também disso que se lembram aqueles que não gritaram contra Dilma Rousseff, mas também não a defenderiam.

Lembram também que o PT não fez a reforma agrária; ficou aquém na saúde e na educação, transformando “Brasil, Pátria Educadora” num slogan natimorto; avançou muito pouco numa política para as drogas que vá além da proibição e da repressão, modelo que encarcera milhares de pequenos traficantes num sistema prisional sobre o qual o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já disse que “prefere morrer a cumprir pena”; cooptou grande parte dos movimentos sociais (que se deixaram cooptar por conveniência, é importante lembrar); priorizou a inclusão social pelo consumo, não pela cidadania; recuou em questões como o kit anti-homofobia e o aborto; se aliou ao que havia de mais viciado na política brasileira e aos velhos clãs do coronelismo, como os Sarney.

Isso é tão ou mais importante do que a corrupção, sobre a qual sempre se pode dizer que começou bem antes e atravessa a maioria dos partidos, o que também é verdade. Olhar com honestidade para esse cenário depois de mais de 12 anos de governo petista não significa deixar de reconhecer os enormes avanços que o PT no poder também representou. Mas os avanços não podem anular nem as traições, nem os retrocessos, nem as omissões, nem os erros. É preciso enfrentar a complexidade, por toda as razões e porque ela diz também sobre a falência do sistema político no qual o país está atolado, para muito além de um partido e de um mandato.

Há algo que o PT sequestrou de pelo menos duas gerações de esquerda e é essa a sua herança mais maldita. E a que vai marcar décadas, não um mandato. Tenho entrevistado pessoas que ajudaram a construir o PT, que fizeram dessa construção um projeto de vida, concentradas em lutas específicas. Essas pessoas se sentem traídas porque o partido rasgou suas causas e se colocou ao lado de seus algozes. Mas não traídas como alguém de 30 anos pode se sentir traído em seus últimos votos. Este tem tempo para construir um projeto a partir das novas experiências de participação política que se abrem nesse momento histórico muito particular. Os mais velhos, os que estiveram lá na fundação, não. Estes sentem-se traídos como alguém que não tem outra vida para construir e acreditar num novo projeto. É algo profundo e também brutal, é a própria vida que passa a girar em falso, e justamente no momento mais crucial dela, que é perto do fim ou pelo menos nas suas últimas décadas. É um fracasso também pessoal, o que suas palavras expressam é um testemunho de aniquilação. Algumas dessas pessoas choraram neste domingo, dentro de casa, ao assistir pela TV o PT perder as ruas, como se diante de um tipo de morte.

O sequestro dos sonhos de pelo menos duas gerações de esquerda é a herança mais maldita do PT, ainda por ser desvendada em toda a sua gama de sentidos para o futuro

O PT, ao trair alguns de seus ideias mais caros, escavou um buraco no Brasil. Um bem grande, que ainda levará tempo para virar marca. Não adianta dizer que outros partidos se corromperam, que outros partidos recuaram, que outros partidos se aliaram a velhas e viciadas raposas políticas. É verdade. Mas o PT tinha um lugar único no espectro partidário da redemocratização, ocupava um imaginário muito particular num momento em que se precisava construir novos sentidos para o Brasil. Era o partido “diferente”. Quem acreditou no PT esperou muito mais dele, o que explica o tamanho da dor daqueles que se desfiliaram ou deixaram de militar no partido. A decepção é sempre proporcional à esperança que se tinha depositado naquele que nos decepciona.

É essa herança que precisamos entender melhor, para compreender qual é a profundidade do seu impacto no país. E também para pensar em como esse vácuo pode ser ocupado, possivelmente não mais por um partido, pelo menos não um nos moldes tradicionais. Como se sabe, o vácuo não se mantém. Quem acredita em bandeiras que o PT já teve precisa parar de brigar entre si – assim como de desqualificar todos os outros como “coxinhas” – e encontrar caminhos para ocupar esse espaço, porque o momento é limite. O PT deve à sociedade brasileira um ajuste de contas consigo mesmo, porque o discurso dos pobres contra ricos já virou fumaça. Não dá para continuar desconectado com a realidade, que é só uma forma estúpida de negação.

Para o PT, a herança mais maldita que carrega é o silêncio daqueles que um dia o apoiaram, no momento em que perde as ruas de forma apoteótica. O PT precisa acordar, sim. Mas a esquerda também.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site:desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter:@brumelianebrum

0290 – Diálogos sobre o fim do mundo

Diálogos sobre o fim do mundo

Do Antropoceno à Idade da Terra, de Dilma Rousseff a Marina Silva, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e a filósofa Déborah Danowski pensam o planeta e o Brasil a partir da degradação da vida causada pela mudança climática

Se alguns, entre os milhares que passaram pela calçada da Casa de Rui Barbosa, na semana de 15 a 19 de setembro, por um momento tivessem o ímpeto de entrar, talvez levassem um susto. Ou até se desesperassem. Durante cinco dias, debateu-se ali, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, algo que, apesar dos sinais cada vez mais evidentes, ainda parece distante das preocupações da maioria: a progressiva e cada vez mais rápida degradação da vida a partir da mudança climática. Pensadores de diversas áreas e de diferentes regiões do mundo discutiram o conceito de Antropoceno – o momento em que o homem deixa de ser agente biológico para se tornar uma força geológica, capaz de alterar a paisagem do planeta e comprometer sua própria sobrevivência como espécie e a dos outros seres vivos. Ou, dito de outro modo, o ponto de virada em que os humanos deixam de apenas temer a catástrofe para se tornar a catástrofe.

Com o título “Os mil nomes de Gaia – do Antropoceno à Idade da Terra”, o encontro foi concebido pelo francês Bruno Latour, uma das estrelas internacionais desse debate, e dois dos pensadores mais originais do Brasil atual, Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski. Na mesma semana, Eduardo e Déborah lançaram o livro que escreveram juntos: Há mundo por vir? – ensaio sobre os medos e os fins (Editora Cultura e Barbárie).

Na obra, abordam as várias teorias, assim como as incursões da literatura e do cinema, sobre esse momento em que a arrogância e o otimismo da modernidade encontram uma barreira. O homem é então lançado no incontrolável e até na desesperança, no território de Gaia, o planeta ao mesmo tempo exíguo e implacável. Como escrevem logo no início do livro, com deliciosa ironia: “O fim do mundo é um tema aparentemente interminável – pelo menos, é claro, até que ele aconteça”.

Déborah é filósofa, professora da pós-graduação da PUC do Rio de Janeiro. Pesquisa a metafísica moderna e, ultimamente, o pensamento ecológico. Eduardo é etnólogo, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor do “perspectivismo ameríndio”, contribuição que impactou a antropologia e o colocou entre os maiores antropólogos do mundo. Como disse Latour, Déborah é uma “filósofa meio ecologista”, Eduardo um “antropólogo meio filósofo”.

Eduardo e Déborah são marido e mulher e pais de Irene, a quem o livro é dedicado. Além da casa, os dois compartilham a capacidade bastante rara de dialogar com os vários campos de conhecimento e da cultura sem escapar de refletir também sobre a política – para muito além de partidos e eleições, mas também sobre partidos e eleições. Ambos têm uma ação bastante ativa nas redes sociais. Como diz Eduardo, o Twitter é onde ele pensa.

A entrevista a seguir contém alguns dos momentos mais interessantes de cinco horas de conversa – três horas e meia no apartamento deles, em Botafogo, no sábado após o colóquio, e uma hora e meia por Skype, dias depois. Entre os dois encontros, 400.000 pessoas, segundo os organizadores, participaram da Marcha dos Povos pelo Clima, em Nova York, e 4.000 no Rio de Janeiro; Barack Obama afirmou que “o clima está mudando mais rápido do que as ações para lidar com a questão” e que nenhum país ficará imune; e o Brasil recusou-se a assinar o compromisso de desmatamento zero até 2030.

Ainda que tenham sido dias intensos, é possível afirmar que para muitos parece mais fácil aderir a ameaças de fim de mundo, como a suposta profecia maia, de 21 de dezembro de 2012, do que acreditar que a deterioração da vida que sentem (e como sentem!), objetiva e subjetivamente, no seu cotidiano – e que em São Paulo chega a níveis inéditos com a seca e a ameaça de faltar água para milhões – é resultado da ação do homem sobre o planeta. É mais fácil crer na ficção, que ao final se revela como ficção, salvando a todos, do que enfrentar o abismo da realidade, em que nosso primeiro pé já encontrou o nada.

É sobre isso que se fala nesta entrevista. Mas também sobre pobres e sobre índios, e sobre índios convertidos em pobres; sobre esquerda e sobre direita; sobre capitalismo e sobre o fim do capitalismo; sobre Lula, Dilma Rousseff e Marina Silva. Sobre como nos tornamos “drones”, ao dissociar ação e consequência. E como todos estes são temas da mudança climática – e não estão distantes, mas perto, bem perto de nós. Mais próximos do que a mesa de cabeceira onde desligamos o despertador que nos acorda para uma vida que nos escapa. O problema é que o que nos acorda nem sempre nos desperta. Talvez seja hora de aprender, como fazem diferentes povos indígenas, a dançar para que o céu não caia sobre a nossa cabeça.

A antropóloga sul-africana Lesley Green referiu-se, em sua exposição no colóquio, ao momento de países como África do Sul e Brasil, países em que uma parcela da população que historicamente estava fora do mundo do consumo passa a ter acesso ao mundo do consumo. No Brasil, estamos falando da chamada Classe C ou “nova classe média”. Me parece que esse é quase um dogma no Brasil de hoje, algo que poucos têm a coragem de confrontar. Como dar essa má notícia, a de que agora que podem consumir, de fato não podem, porque as elites exauriram o planeta nos últimos séculos? E como dizer isso no Brasil, em que todo o processo de inclusão passa pelo consumo?

“O capitalismo está fundado no princípio da produção de riqueza, mas a questão num planeta finito é redistribuir a riqueza”

Eduardo Viveiros de Castro –Essa é uma grande questão em países como o Brasil. E totalmente legítima. O que está em jogo aí é a questão da igualdade. Até certo ponto é muito mais fácil você dar um carro para o pobre do que tirar o carro do rico. E talvez fosse muito mais fácil para o pobre aceitar que ele não pode ter um carro se o rico parasse de ter carro também. Dizendo, de fato: “Olha, lamento, você não pode mais usar, mas eu também não”. É claro que enquanto você ficar dizendo para o pobre – “Você não pode ter e eu tenho” – não dá. Ele vai dizer: “Por que vocês podem continuar a consumir seis planetas Terra e eu não posso comprar o meu carrinho?”. É preciso dissociar crescimento de igualdade, como afirma o Rodrigo Nunes (professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio). E sobretudo você tem que parar de superdesenvolver os países superdesenvolvidos. E a palavra tem que ser “superdesenvolvido”. Porque a gente fala muito em sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, como antigamente – países subdesenvolvidos, países em vias de desenvolvimento, países desenvolvidos. Nunca ninguém falou que existem países superdesenvolvidos, isto é, excessivamente desenvolvidos. É o caso dos Estados Unidos, onde um cidadão americano médio gasta o equivalente a 32 cidadãos do Quênia ou da Etiópia. A relação que sempre se faz é que, para tirar as populações da pobreza, é preciso crescer economicamente. E aí você tem um dilema: se você cresce economicamente, com uso crescente de energia fortemente poluente, como petróleo e carvão, nós vamos destruir o planeta. Assim, a luta pela igualdade não pode depender do nosso modelo de crescimento econômico mundial, do qual o Brasil, Índia e China são só as pontas mais histéricas, porque querem crescer muito rápido. O jeito como o mundo está andando não pode continuar porque se baseia numa ideia de que o crescimento pode ser infinito, quando a gente sabe que mora num mundo finito, com recursos finitos. Entretanto, eu nunca vi ninguém falar: “O crescimento vai ter que parar aqui”. Você vai ser preso se você disser isso em qualquer lugar do mundo. Eu não acho que o Brasil tenha que parar de crescer, no sentido de crescimento zero. O que o Brasil precisa, como o mundo precisa, é de uma redistribuição radical da riqueza. Quanto mais você redistribui, menos precisa crescer, no sentido de aumentar a produção. A economia capitalista está fundada no princípio de que viver economicamente é produzir riqueza, quando a questão realmente crítica é redistribuir a riqueza existente.

Mas aí você toca na parte mais difícil, os privilégios… E a mudança parece ainda mais distante, quase impossível.

Eduardo – É verdade. Os grandes produtores de petróleo têm todo interesse em tirar até a última gota de petróleo do chão, mas eles também não são completamente imbecis. E estão se preparando para monopolizar outras riquezas no futuro que possam vir a ser a mercadoria realmente importante. Por exemplo, água. Eu não tenho a menor dúvida de que existem planos estratégicos das grandes companhias petrolíferas para a passagem de produtoras de petróleo a produtoras de água, que será a mercadoria escassa. Você pode viver sem petróleo, você pode viver sem luz, inclusive, mas você não pode sobreviver sem água. A minha impressão é que, assim que passar a eleição, São Paulo vai entrar numa vida de science fiction. O que é uma megalópole sem água?

Acho que saberemos em breve…

“São Paulo é uma espécie de laboratório do mundo. Tudo está acontecendo de maneira acelerada”

Eduardo – É mais fácil você dizer que a culpa é do (Geraldo) Alckmin (governador de São Paulo, pelo PSDB), que não tomou as medidas necessárias. É mais fácil do que dizer: isso aí é o efeito de São Paulo ter cimentado todo o seu território, se transformado num captor térmico gigantesco, só com cimento, asfalto e carro jogando gás carbônico. Desapareceu a garoa, não existe mais a garoa em São Paulo. A Amazônia foi e está sendo desmatada por empresários paulistas. São Paulo é uma metáfora, mas não é só uma metáfora. São Paulo está destruindo a Amazônia e está sofrendo as consequências disso. Acho que São Paulo é um laboratório espetacular, no sentido não positivo da palavra. É como se estivesse passando em fast forward, acelerado, tudo o que está acontecendo no mundo. Explodiu a quantidade de carros, explodiu a poluição, explodiu a falta de água, explodiu a violência, explodiu a desigualdade. Em suma, São Paulo é uma espécie de laboratório do mundo, neste sentido. Não só São Paulo, há outras cidades iguais, mas São Paulo é a mais próxima de nós, e estamos vendo o que está acontecendo.

E por que as pessoas não conseguem fazer a conexão, por exemplo, entre a seca em São Paulo e o desmatamento na Amazônia?

Eduardo – Porque é muito grande a coisa. Há um pensador alemão, o Günther Anders, que foi o primeiro marido da Hannah Arendt. Ele fugiu do nazismo e virou um militante antinuclear, especialmente entre o fim da década de 40 e os anos 70. Ele diz que a arma nuclear é uma prova de que aconteceu alguma coisa com a humanidade, na medida em que ela se tornou incapaz de imaginar o que é capaz de fazer. É uma situação antiutópica. O que é um utopista? Um utopista é uma pessoa que consegue imaginar um mundo melhor, mas não consegue fazer, não conhece os meios nem sabe como. E nós estamos virando o contrário. Nós somos capazes tecnicamente de fazer coisas que não somos nem capazes de imaginar. A gente sabe fazer a bomba atômica, mas não sabe pensar a bomba atômica. O Günther Anders usa uma imagem interessante, a de que existe essa ideia em biologia da percepção de fenômenos subliminares, abaixo da linha de percepção. Tem aquela coisa que é tão baixinha, que você ouve mas não sabe que ouviu; você vê, mas não sabe que viu; como pequenas distinções de cores. São fenômenos literalmente subliminares, abaixo do limite da sua percepção. Nós, segundo ele, estamos criando uma outra coisa agora que não existia, o supraliminar. Ou seja, é tão grande, que você não consegue ver nem imaginar. A crise climática é uma dessas coisas. Como é que você vai imaginar um troço que depende de milhares de parâmetros, que é um transatlântico que está andando e tem uma massa inercial gigantesca? As pessoas ficam paralisadas. Dá uma espécie de paralisia cognitiva. Então as pessoas falam: “Não posso pensar nisso. Se eu pensar nisso, como é que eu vou dar conta? Você está dizendo que o mundo vai aquecer quatro graus… E o que vai acontecer? Então é melhor não pensar”. Bem, a gente acha que tem que pensar.

Déborah Danowski – Os indígenas, os pequenos agricultores, eles estão percebendo no contato com as plantas, com os animais, que algo está acontecendo. Eles têm uma percepção muito mais apurada do que a gente.

Eduardo – Como eles veem que o clima está mudando? No calendário agrícola de uma tribo indígena você sabe que está na hora de plantar porque há vários sinais da natureza. Por exemplo, o rio chegou até tal nível, o passarinho tal começou a cantar, a árvore tal começou a dar flor. E a formiga tal começou a fazer não-sei-o-quê. O que eles estão dizendo agora é que esses sinais dessincronizaram. O rio está chegando a um nível antes de o passarinho começar a cantar. E o passarinho está cantando muito antes de aquela árvore dar flor. É como se a natureza tivesse saído de eixo. E isso todos eles estão dizendo. As espécies estão se extinguindo, e a humanidade parece que continua andando para um abismo. O mundo vai, de fato, piorar para muita gente, para todo mundo. Só o que vai melhorar é a taxa de lucro de algumas empresas, e mesmo os acionistas delas vão ter que talvez tirar a casa de luxo que eles têm na Califórnia e jogar para outro lugar, porque ali vai ter pegado fogo. Se houver uma epidemia, um vírus, uma pandemia letal, violenta, tipo ebola, pode pegar todo mundo. Enquanto os sujeitos têm corpo de carne e osso, ninguém está realmente livre, por mais rico que seja, do que vai acontecer. Mas é evidente que quem vai primeiro soçobrar serão os pobres, os danados da Terra, os condenados da Terra. Algumas pessoas estão começando a se preocupar, mas não conseguem fazer parar, porque todas as outras estão empurrando. E você diz: “para, para, para!”. E você não consegue. Mas há muitas iniciativas pelo mundo de gente que percebeu que os estados nacionais, ou que as grandes tecnologias gigantescas, heroicas e épicas, não vão nos salvar. E que está nas nossas mãos nos salvarmos. Não está nas mãos dos nossos responsáveis. Não temos responsáveis. A ideia de que o governo é responsável por nós, a gente já viu que não é. Ele é irresponsável. Ele toma decisões irresponsáveis, destrói riquezas que ele não pode substituir, e, portanto, há um descrédito fortíssimo nas formas de representação.

Como os protestos de junho de 2013…

Eduardo – As crises de junho são crises de “não nos representa”. Isso não é só no Brasil. É como se tivesse havido uma espécie de fissura. É uma outra geração. Não deixa de ser parecido com 68, de certa maneira. Só que agora não é em torno de novas lutas, como gênero, sexualidade, etnia. Tudo isso continua, mas há uma outra coisa muito maior por cima: o que estamos fazendo com a Terra onde a gente vive? Vamos continuar comendo transgênico? Vamos continuar nos envenenando? Vamos continuar destruindo o planeta? Vamos continuar mudando a temperatura?

Pegando como gancho a nossa situação aqui no Brasil, com um governo desenvolvimentista, com grandes obras na Amazônia, transposição do rio São Francisco etc, gostaria que vocês falassem sobre a questão do pobre. Você afirma, de uma maneira muito original, Eduardo, que o pobre é um “nós” de segunda classe. A grande promessa seria tirá-lo da pobreza para ficar mais parecido com a única forma desejável de ser, a nossa. E o índio problematiza isso e, portanto, se torna um problema. O índio não se interessa em ser “nós”. Então eu queria que vocês explicassem melhor essa ideia e a situassem na política do atual governo para os pobres e para os índios.

“A história do Brasil é um processo de conversão do índio em pobre. É o que está acontecendo na Amazônia agora”

Eduardo – O capitalismo é uma máquina de fazer pobres. Inclusive na Europa. Os pobres não estão aqui, só. O pobre é parte integrante do sistema de crescimento. As pessoas acham que o crescimento diminui a pobreza. O crescimento, na verdade, produz e reproduz a pobreza. Na medida em que ele tira gente da pobreza, ele tem que criar outros pobres no lugar. O capitalismo conseguiu melhorar a condição de vida do operariado europeu porque jogou para o Terceiro Mundo as condições miseráveis. Então, era o operário daqui sendo explorado para que os pobres operários de lá fossem menos explorados. Essa oposição que eu fiz entre índio e pobre é, na verdade, uma crítica direta, explícita, a uma boa parte da esquerda, a esquerda tradicional, a velha esquerda que está no poder, que divide o poder por concessão da direita, dos militares e tal, e é muito voltada para a ideia de desenvolvimento. Uma coisa era o desenvolvimentismo do Celso Furtado, naquela época. Acho, inclusive, um insulto à memória dele. O Celso Furtado estava vivendo uma outra época, um outro mundo, um outro modelo. E as pessoas hoje continuam a falar essas palavras de ordem que têm 40, 50, 60 anos, como se fosse a mesma coisa. Mas, qual é o problema? O problema é que a esquerda de classe média, o intelectual de esquerda, vê o seu Outro essencialmente como um pobre. Pobre é uma categoria negativa, né? Pobre é alguém que se define pelo que não tem. Não tem dinheiro, não tem educação, não tem oportunidade. Então, a atitude natural em relação ao pobre, e isso não é uma crítica, é o ver natural, é que o pobre tem que deixar de ser aquilo. Para ele poder ser alguma coisa, ele tem que deixar de ser pobre. Então a atitude natural é você libertar o pobre, emancipar o pobre das suas condições. Tirá-lo do trabalho escravo, dar a ele educação, moradia digna. Mas, invariavelmente, esse movimento tem você mesmo como padrão. Você não se modifica, você modifica o pobre. Você traz o pobre para a sua altura, o que já sugere que você está por cima do pobre. Ao mesmo tempo, você torna o pobre homogêneo. Sim, porque se o pobre é definido por alguém que não tem algo, então é todo mundo igual.

E o que é um índio?

Eduardo – O índio, ao contrário, é uma palavra que acho que só existe no plural. Índio, para mim, é índios. É justamente o contrário do pobre. Eles se definem pelo que têm de diferente, uns dos outros e eles todos de nós, e por alguém cuja razão de ser é continuar sendo o que é. Mesmo que adotando coisas da gente, mesmo que querendo também a sua motocicleta, o seu rádio, o seu Ipad, seja o que for, ele quer isso sem que lhe tirem o que ele já tem e sempre teve. E alguns não querem isso, não estão interessados. Não é todo mundo que quer ser igual ao branco. O que aconteceu com a história do Brasil é que foi um processo circular de transformação de índio em pobre. Tira a terra, tira a língua, tira a religião. Aí o cara fica com o quê? Com a força de trabalho. Virou pobre. Qual foi sempre o truque da mestiçagem brasileira? Tiravam tudo, convertiam e diziam: agora, se vocês se comportarem bem, daqui a 200, 300, 400 anos, vocês vão virar brancos. Eles deixam de ser índios, mas não conseguem chegar a ser brancos. Pessoal, vocês precisam misturar para virar branco. Se vocês se esforçarem, melhorarem a raça, melhorarem o sangue, vai virar branco. O que chamam de mestiçagem é uma fraude. O nome é branqueamento. E é o que estão fazendo na Amazônia. É re-colonização. O Brasil está sendo recolonizado por ele mesmo com esse modelo sulista/europeu/americano. Essa cultura country que está invadindo a Amazônia junto com a soja, junto com o boi. E ao mesmo tempo transformando quem mora ali em pobre. E produzindo a pobreza. O ribeirinho vira pobre, o quilombola vira pobre, o índio vai virando pobre. Atrás da colheitadeira, atrás do boi, vem o programa de governo, vem o Bolsa Família, vem tudo para ir reciclando esse lixo humano que vai sendo pisoteado pela boiada. Reciclando ele em “pobre bom cidadão”. E aí a Amazônica fica liberada…

Como enfrentar isso?

“Qual foi a grande carta de alforria que o governo Dilma deu ao pobre? O cartão de crédito”

Eduardo – Se você olhar a composição étnica, cultural, da pobreza brasileira, você vai ver quem é o pobre. Basicamente índios, negros. O que eu chamo de índios inclui africanos. Inclui os imigrantes que não deram certo. Esse pessoal é essa mistura: é índio, é negro, é imigrante pobre, é brasileiro livre, é o caboclo, é o mestiço, é o filho da empregada com o patrão, filho da escrava com o patrão. O inconsciente cultural destes pobres brasileiros é índio, em larga medida. Tem um componente não branco. É aquela frase que eu inventei: no Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é. Então, em vez de fazer o pobre ficar mais parecido com você, você tem que ajudar o pobre a ficar mais parecido com ele mesmo. O que é o pobre positivado? Não mais transformado em algo parecido comigo, mas transformado em algo que ele sempre foi, mas que impedem ele de ser ao torná-lo pobre. O quê? Índio. Temos de ajudá-los a lutar para que eles mesmos definam seu próprio rumo, em vez de nos colocarmos na posição governamental de: “Olha, eu vou tirar vocês da pobreza”. E fazendo o quê? Dando para eles consumo, consumo, consumo.

Déborah – Fora a dívida, né.

Eduardo – Endividando, no cartão de crédito. Qual foi a grande carta de alforria que o governo Dilma deu ao pobre? O cartão de crédito. Hoje pobre tem cartão de crédito. Legal? Muito legal, sobretudo para as firmas que vendem as mercadorias que os pobres compram no cartão de crédito. Porque a Brastemp está adorando o cartão de crédito para pobre. As Casas Bahia estão nas nuvens. Porque o pobre agora pode se endividar.

E aí vêm os elogios à honestidade do pobre…

Eduardo – Eles, sim, pagam as dívidas, porque rico não paga. Eike Batista não paga dívida, mas a empregada morre de trabalhar para pagar o cartão de crédito. Eu provocava a esquerda, dizendo: “O que vocês não estão entendendo é o seguinte. Enquanto vocês tratarem o Outro como pobre, e portanto como alguém que tem que ser melhorado, educado, civilizado – porque no fundo é isso, civilizar o pobre! –, vocês vão estar sendo cúmplices de todo esse sistema de destruição do planeta que permitiu aos ricos serem ricos”.

Vocês afirmam que os índios são especialistas em fim do mundo. E que vamos precisar aprender com eles. No livro, há até uma analogia com o filme de Lars Von Trier, no qual um planeta chamado Melancolia atinge a Terra. Vocês dizem que, em 1492, o Velho Mundo atingiu o Novo Mundo, como um planeta que vocês chamam ironicamente de Mercadoria. O que os índios podem nos ensinar sobre sobreviver ao fim do mundo?

Eduardo – Eles podem nos ensinar a viver num mundo que foi invadido, saqueado, devastado pelos homens. Isto é, ironicamente, num mundo destruído por nós mesmos, cidadãos do mundo globalizado, padronizado, saturado de objetos inúteis, alimentado à custa de pesticidas e agrotóxicos e da miséria alheia. Nós, cidadãos obesos de tanto consumir lixo e sufocados de tanto produzir lixo. A gente invadiu a nós mesmos como se tivéssemos nos travestidos de alienígenas que trataram todo o planeta como nós, europeus, tratamos o Novo Mundo a partir de 1492. Digo “nós”, porque eu acho que a classe média brasileira, os brancos, no sentido social da palavra, não são europeus para os europeus, mas são europeus para dentro do Brasil. Nós, então, nos vemos como alienígenas em relação ao mundo. Como se a gente tivesse uma relação com o mundo diferente da relação dos outros seres vivos, como se os humanos fossem especiais. Não deixa de ser uma coisa importante na tradição do catolicismo e do cristianismo. O homem tem um lado que não é mundano, um destino fora do mundo. Isso faz com que ele trate o mundo como se fosse feito para ser pilhado, saqueado, apropriado. E a gente acaba tratando a nós mesmos como nós tratamos os povos que habitavam aqui no Novo Mundo. Ou seja, como gente a explorar, a escravizar, a catequizar e a reduzir. Esta é a primeira coisa que eu acho que os índios podem nos ensinar: a viver num mundo que foi de alguma maneira roubado por nós mesmos de nós.

E a segunda?

“Os índios são especialistas em fim do mundo, eles podem nos ensinar a viver melhor num mundo pior”

Eduardo – Acho que os índios podem nos ensinar a repensar a relação com o mundo material, uma relação que seja menos fortemente mediada por um sistema econômico baseado na obsolescência planejada e, portanto, na acumulação de lixo como principal produto. Eles podem nos ensinar a voltar à Terra como lugar do qual depende toda a autonomia política, econômica e existencial. Em outras palavras: os índios podem nos ensinar a viver melhor em um mundo pior. Porque o mundo vai piorar. E os índios podem nos ensinar a viver com pouco, a viver portátil, e a ser tecnologicamente polivalente e flexível, em vez de depender de megamáquinas de produção de energia e de consumo de energia como nós. Quando eu falo índio é índio aqui, na Austrália, o pessoal da Nova Guiné, esquimó… Para mim, índio são todas as grandes minorias que estão fora, de alguma maneira, dessa megamáquina do capitalismo, do consumo, da produção, do trabalho 24 horas por dia, sete dias por semana. Esses índios planetários nos ensinam a dispensar a existência das gigantescas máquinas de transcendência que são o Estado, de um lado, e o sistema do espetáculo do outro, o mercado transformado em imagem. Eu acho que os índios podem também nos ensinar a aceitar os imponderáveis, os imprevistos e os desastres da vida com o “pessimismo alegre” (expressão usada originalmente pelo filósofo francês François Zourabichvili, com relação a Deleuze, mas que aqui ganha outros sentidos). O pessimismo alegre caracteriza a atitude vital dos índios e demais povos que vivem à margem da civilização bipolar que é a nossa, que está sempre oscilando entre um otimismo maníaco e um desespero melancólico. Os índios aceitam que nós somos mortais e que do mundo nada se leva. Em muitos povos indígenas do Brasil, e em outras partes do mundo, os bens do defunto são inclusive queimados, são destruídos no funeral. A pessoa morre e tudo o que ela tem é destruído para que a memória dela não cause dor aos sobreviventes. Acho que essas são as coisas que os índios poderiam nos ensinar, mas que eu resumiria nesta frase: os índios podem nos ensinar a viver melhor num mundo pior.

Como é um “pessimismo alegre”?

Eduardo – Acho que o pessimismo alegre é o que você encontra na favela carioca. É o que você encontra no meio das populações que vivem no semiárido brasileiro. É a mesma coisa que você encontra, em geral, nas camadas mais pobres da população. O fato de que você vive em condições que qualquer um de nós, da classe média para cima, consideraria materialmente intoleráveis. Mas isso não os torna seres desesperados, tristes, melancólicos, etc. Muito pelo contrário. É claro que eu não estou falando de situações dramáticas, de gente morrendo de fome. Isso aí não há ninguém que aguente. Mas, se você perguntar para o índio, ele vai dizer: estamos todos fritos, um dia o mundo vai acabar caindo na nossa cabeça, mas isso não impede que você se distraia, que se divirta, que ria um pouco dessa condição meio patética que é a de todo ser humano, em que ele vive como se fosse imortal e ao mesmo tempo sabe que vai morrer. Os índios não acham que o futuro vai ser melhor do que o presente, como nós, e portanto não se desesperam porque o futuro não vai ser melhor do que o presente, como a gente está descobrindo. Eles acham que o futuro vai ser ou igual ou pior do que agora, mas isso não impede que eles considerem isso com pessimismo alegre, que é o contrário do otimismo desencantado, que é um pouco o nosso. Do tipo estamos mal, mas vai dar tudo certo, a tecnologia vai nos salvar, ou o homem vai finalmente chegar ao socialismo. Os índios acham que tudo vai para as cucuias, mesmo. Mas isso não lhes tira o sono, porque viver é uma coisa que você tem que fazer de minuto a minuto, tem que viver o presente. E nós temos um problema, que é a dificuldade imensa em viver o presente. Os índios são pessoas que de fato vivem no presente no melhor sentido possível. Vamos tratar de viver o presente tal como ele é, enfrentando as dificuldades que ele apresenta, mas sem imaginar que a gente tem poderes messiânicos, demiúrgicos de salvar o planeta. Essa é um pouco a minha sensação. O pessimismo alegre é uma atitude que eu sinto como característica de quem tem que viver, e não simplesmente gente que acha que é a palmatória do mundo, que tem que pensar pelo mundo todo.

“Como é que a Dilma Rousseff pode dar Bolsa Família e ao mesmo tempo tornar a vida da Kátia Abreu cada vez mais fácil? Porque o dinheiro não sai do bolso dos ricos, mas da natureza”

Déborah – Acho que sobretudo depende da criação de relações com as outras pessoas. Em vez de você confiar na acumulação, que nos torna sempre tristes, porque está sempre faltando alguma coisa, precisamos sempre obter mais, acumular mais, etc, nós criamos relações com as pessoas que estão à nossa volta, com os outros seres, no meio dos quais nós vivemos.

Parece que há uma cegueira de parte do que se denomina esquerda, hoje, para compreender outras formas de estar no mundo, assim como para compreender desafios como os impostos pela mudança climática, como vemos no Brasil, mas não só no Brasil. Aqui, estamos num momento bem sensível do país, com Belo Monte e as grandes barragens previstas para o Tapajós. Supostamente, teríamos hoje duas candidatas de esquerda (Dilma Rousseff e Marina Silva) nos primeiros lugares da disputa eleitoral para a presidência, mas as questões socioambientais pouco são tocadas. Qual é a dificuldade?

Eduardo – Você tem pelo menos duas esquerdas, como se vê até pelas candidaturas. Só que, infelizmente, uma esquerda muito bem caracterizada, que é a da Dilma, e outra esquerda, representada pela Marina, em que falta capacidade para formular com clareza o que diferencia ela da outra. Essas duas esquerdas, de certa maneira, sempre existiram. Lá no início, na Primeira Internacional, essa fratura correspondeu à distinção entre os anarquistas e os comunistas. Mas hoje eu diria que você tem duas posições dentro da esquerda. Uma posição que a gente poderia chamar de “crescimentista”, centralista, que acha que a solução é tomar o controle do aparelho do Estado para implementar uma política de despauperização do povo brasileiro, dentro da qual a questão do meio ambiente não tem nenhuma importância. A Dilma chegou a cometer aquele famoso ato falho lá em Copenhagen (em 12/2009, quando era ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula), ao dizer: “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”. Ato falho. Não era isso o que ela queria dizer, mas disse. Essa esquerda tem zero de sensibilidade ambiental. Ela poderia perceber que uma outra maneira de falar “ambiente” é falar “condições materiais de existência”. Falta de esgoto na favela é problema ambiental do mesmo jeito que desmatamento na Amazônia é problema ambiental. Não é de outro jeito, é do mesmo jeito. Mas, para essa esquerda, ar, água, planta, bicho não faz parte do mundo. São pessoas completamente antropocêntricas, que veem o mundo à disposição dos homens, para ser dominado, controlado e escravizado. Essa esquerda, que é a esquerda da Dilma, é uma esquerda velha, no sentido de que é uma esquerda que, na verdade, pensa como se 1968 não tivesse acontecido. É alguém com uma espécie de nostalgia da União Soviética…

Déborah – Com nostalgia do que nunca aconteceu.

Eduardo – Soviet mais eletricidade, a famosa fórmula do Lenin. O que é o comunismo? O comunismo são os soviets, que são os conselhos operários, mais eletricidade, isto é, mais tecnologia. Aí eu brincava, quando a Dilma tomou o poder: “A Dilma é isso, só que sem o soviet”. É só eletricidade… Ou seja, capitalismo. O que distinguia o socialismo comunista do Lenin era a tecnologia moderna mais a organização social comunista. Se você tira a organização comunista só sobra o capitalismo. Então essa esquerda é uma esquerda sócia do capitalismo. Acha que é preciso levar o capitalismo até o fim, para que ele se complete, para que a industrialização se complete, para que a transformação de todos os índios do mundo em pobres se complete. Para que você então transforme o pobre em proletário, o proletário em classe revolucionária, ou seja, é uma historinha de fadas. Como se pudesse separar a parte boa da parte ruim do capitalismo. Como se fosse possível: isso aqui eu quero, isso aqui eu não quero. Outra coisa, essa esquerda fez um pacto satânico com a direita, que é o seguinte: a gente gosta dos pobres, quer melhorar a vida deles, quer melhorar o nível de renda deles, mas não vai tocar no bolso de vocês, fiquem tranquilos. É o que está dito na Carta ao Povo Brasileiro (documento escrito por Lula na campanha eleitoral de 2002). Pode deixar, que a gente não vai fazer a revolução, não vai ser Robin Hood, ao contrário. E foi exatamente isso o que aconteceu. Ou seja, os bancos nunca lucraram tanto. O Brasil optou por se transformar num exportador de commodities e virar uma verdadeira plantation, como ele era desde o começo. Era exportador de matéria-prima para o centro do império, agora para a China. Mas o pacto foi esse: a gente governa se, primeiro, não prender os militares, não acertar as contas com a ditadura; e, segundo, não mexer no bolso dos ricos, não tocar na estrutura do capital. Veja o tamanho das algemas que a esquerda se pôs. De onde é que vai vir, então, a grana para melhorar a vida dos pobres? Só tem um lugar. Da natureza. Então você superexplora, você queima os móveis da casa. Aumentou o dinheiro disponível para dar umas migalhas para os pobres, o bolo cresceu. Não é por acaso que o Delfim Netto (ministro da Fazenda no período do chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, na ditadura civil-militar) é um grande conselheiro do Lula. Primeiro é preciso crescer para depois distribuir. Está crescendo, está dando renda para os pobres, mas esse dinheiro não está saindo do bolso dos ricos. Está saindo da natureza, da floresta destruída. É da água que a gente está exportando para a China sob a forma de boi, de carne e de soja. Estamos comendo o principal para não tocar no bolso dos ricos. E assim a Dilma sai passeando com a Kátia Abreu (senadora pelo PMDB, representante do agronegócio e a principal líder da bancada ruralista do Congresso) e dá Bolsa Família. Como é que a Dilma consegue ao mesmo tempo dar Bolsa Família e tornar a vida da Kátia Abreu cada vez mais fácil? O dinheiro tem que sair de algum lugar. Não está saindo de empréstimo internacional, mas está saindo de empréstimo natural. Esse empréstimo não dá para pagar. Quando a natureza vier cobrar, estaremos fritos. E a natureza está cobrando de que forma? Seca, tufão, furacão, enchente… E no Brasil ainda não chegou a barra pesada. Outro problema desta esquerda é que ela não tem nenhuma noção de mundo, de planeta. Ela pensa o Brasil. Ela é nacionalista em todos os sentidos. Vê curto. Ela vê o Brasil no mundo quando se trata do mercado. Agora, quando se trata do planeta, enquanto casa das espécies, lugar onde nós moramos, ela não está nem aí. O fato de que o Ártico está derretendo não é um problema para o Brasil. Pré-Sal ser um problema para o planeta? Não queremos saber. É uma esquerda xenófoba, neste sentido. Ela não percebe que o Brasil é grande, mas o mundo é pequeno. A Dilma, para mim, é um fóssil. Tem pensamento fossilizado. Ela não está nem no século 20, ela está no século 19.

E a esquerda que a Marina representaria?

“A Marina Silva representaria uma esquerda pós-68, mais democrática e menos vertical, mas ela perdeu o rumo”

Eduardo – Essa é uma esquerda pós-68, que incorporou aquilo que apareceu em 1968, de que dentro da luta de classes há muitas outras lutas. Há a luta das mulheres, a luta dos índios, a luta dos homossexuais… Enfim, todas essas outras formas de pensar as diferenças sociais que não se reduz à questão dos ricos e dos pobres. A pobreza não é uma categoria econômica, mas uma categoria existencial que envolve justiça. E a justiça não é só dar dinheiro para o pobre, mas reconhecer todas essas diferenças que são ignoradas e que explodiram em 1968. A política mudou porque, primeiro, em 68 o socialismo começou a se desacreditar. Não esqueçamos que o Partido Comunista Francês foi contra 1968. Apoiou a repressão policial exatamente como a esquerda oficial apoiou baixar a porrada nos manifestantes de junho de 2013. Ela apoiou a repressão policial à revolta de 68, que não foi francesa, foi mundial. Em 1968 foi a Marcha dos 100.000 aqui, foi a revolta contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos, foi a revolta propriamente dita na França, na Itália e em outros países. Ou seja, foi uma revolução mundial. E nós estamos vivendo, de lá até hoje, a contrarrevolução mundial. A direita retomou o poder e falou: “Temos que impedir que isso aconteça de novo”.

E como a Marina representaria essa esquerda pós-68?

Eduardo – É uma esquerda em que o pobre urbano operário não é mais o personagem típico. Mas é quem? É o índio, o seringueiro, é a mulher, é o negro. A Marina acumula várias identidades…

Déborah – Como você escreveu, Eliane, no seu artigo sobre as diferenças entre os Silvas

Eduardo – Isso. O Lula é o representante do sonho brasileiro de ser como o norte do planeta, os Estados Unidos. Como diz o (antropólogo) Beto Ricardo (um dos fundadores do Instituto Socioambiental), o Brasil é como se fosse dividido entre uma grande São Bernardo e uma grande Barretos. Quer dizer, a zona rural vai ser como Barretos (cidade do interior paulista onde se faz a maior festacountry do país): gado, rodeio, bota, chapéu e 4X4. E a parte urbana vai ser uma grande São Bernardo (cidade do chamado ABC Paulista, onde Lula se tornou líder sindical metalúrgico nas grandes greves da virada dos anos 70 para os 80): fábricas, metalurgia, motores, carros. A Marina representaria o outro lado. Essa outra esquerda, muito mais democrática, que aposta menos na organização vertical, autoritária, centralista, clássica dos partidos de esquerda comunista. Embora o PT não seja um partido comunista, nem de longe, é um partido que incorporou vários ex-comunistas, várias pessoas que têm a concepção de que é preciso tomar o Estado, o poder central, para instalar o socialismo, digamos.

E a Marina consegue representar essa outra esquerda?

“O centro do Brasil não é São Paulo, mas a Amazônia”

Eduardo – A Marina está numa posição equívoca, porque ela representa um tipo de pensamento que deveria estar nas ruas, e não no Estado. Deveria estar mobilizando a população, a chamada sociedade civil, e não disputando a presidência num sistema político corrupto, que é praticamente impossível de mexer. Acho que estamos num sistema político com um nó cego e só sairíamos disso aí, literalmente, com uma insurreição popular que forçasse o poder a se auto-reformar. Nestas condições, o governo da Marina é um governo impossível, sob certo ponto de vista. Na minha opinião, depois que ela saiu daquela primeira eleição em 2010 com 20 milhões de votos, tinha que ter saído da lógica da política partidária e se transformado numa líder de movimento social. Uma pessoa capaz de exprimir todo esse jogo de diferenças que tem no Brasil. Ela era líder seringueira, do povo da floresta. Estava lutando pelo ambiente. Essas questões foram sumindo e, quando houve a tentativa de pendurar na campanha dela essas outras lutas para as quais ela pessoalmente não estava preparada – aborto, direitos da mulher, direitos dos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros) –, aí ela ficou travada por toda a outra composição dela, que é com o eleitorado evangélico. Então ela também tem o seu problema por ali. Mas o problema principal não é esse. Eu acho que a Marina representa a outra esquerda, a esquerda horizontalista, localista, ambientalista, que entende que é de baixo para cima que as coisas se organizam, mas ela está envolvida num processo eleitoral que é todo o contrário disso. Eleição é um momento de lazer, no sentido de que a população pensa que tem poder, porque pode escolher seus governantes, e depois da eleição volta à posição passiva. Se você tenta sair da posição passiva fora do período eleitoral, a polícia vem e bate em você. Você só pode se manifestar durante as eleições, o povo só pode ser político durante as eleições. Hoje só há dois tipos de cidadão no Brasil: o eleitor e o vândalo. O eleitor só tem uma vez a cada dois, quatro anos, e o resto do tempo você tem que ser vândalo. Ou ficar quietinho em casa, pegando propaganda, sonhando com seu carro e juntando dinheiro para ir para Miami. Acho que a Marina perdeu o rumo. Tenho uma admiração imensa por ela, pessoal, coisa que eu não tenho por nenhum outro. Tenho uma admiração pelo Lula, em outro sentido. Esse cara é incrível, tem um carisma político, mas não o conheço pessoalmente. A Marina, que eu conheço pessoalmente, é uma pessoa fantástica. Inteligentíssima. E é uma pessoa de enorme elegância, no amplo sentido da palavra. Mas ela tem que agradar todo mundo, o que é impossível. Se ela for presidente, espero que ela tenha contado a mentira certa. Isto é, que ela engane, que ela traia, quem merece ser traído. E não, como fez a Dilma, trair quem não merecia ser traído. A Marina não aproveitou a oportunidade para se colocar como uma candidata realmente alternativa. Eu não entendi ainda o que ela está dizendo que seja diferente da Dilma. Não entendi.

Déborah, em sua exposição no colóquio, você falou sobre a esquerda e a direita, a partir de (Gilles) Deleuze (filósofo francês), de uma forma muito interessante….

Déborah – Na verdade, isso é uma definição dele num vídeo que se chama Abecedário. Ele tem outras definições de esquerda, como, por exemplo, que o papel da esquerda é pensar; e que a esquerda coloca questões que a direita quer a todo custo esconder. Essa da percepção é uma que gosto especialmente porque me ajuda a reconhecer posições de direita ou de esquerda. Ser de esquerda é até mais uma questão de percepção do que de conceito. O ser de direita é sempre perceber as coisas a partir de si mesmo, como num endereço postal. Assim: eu, aqui, neste lugar, na minha casa, na rua tal, na praia de Botafogo, Flamengo, Rio de Janeiro, América do Sul. E você pensa o mundo, ali, como uma extensão de si mesmo. E cada vez que você se afasta, vai perdendo interesse, a coisa vai decaindo de valor. E ser de esquerda é o contrário: vai do horizonte até a casa.

Eduardo – Esse pensar a partir de si mesmo significa: como é que eu posso me manter onde estou e não perder nada? Como é que eu posso preservar os meus privilégios, mexer no mundo sem mexer em mim?

Déborah – Acho que a Dilma, o PT, têm sido de direita nesse sentido. O que importa é estender seus próprios privilégios aos outros, trazer os outros para si mesmo, mas pensando a partir de si mesmo. O que eu sou é o que eles devem ser também. Eu continuo a ser o que eu era e dou aos outros um pouco do que eu sou, e no melhor dos mundos eles vão acabar sendo iguais a mim. E a Marina é – ou seria – essa outra maneira de pensar, a partir da floresta, a partir desses outros povos, seria pensar nas outras possibilidades de ser diferente.

“Para imaginar o não fim do mundo é preciso imaginar o fim do capitalismo”

Eduardo – É pensar que o centro do Brasil é a Amazônia, e não São Paulo. No sentido de que é lá que está se decidindo o futuro do Brasil, não em São Paulo. É o que a gente fizer lá, com as pessoas de lá, que vai definir o que o Brasil vai ser. O Brasil vai ser todo São Paulo? Igual a São Paulo? É isso o que a gente quer? Uma grande São Paulo? Ou a gente quer, ao contrário, que o Brasil se “amazonize”, que o que resta de Amazônia no Brasil possa contaminar o Brasil que se “desamazonizou”. A Mata Atlântica sumiu. A gente não quer voltar tudo, mas a gente quer que a Amazônia nos ensine a voltar a ser Mata Atlântica. A gente quer que a Amazônia nos ensine como os pobres da cidade podem voltar a ser um pouco índios. E a gente sabe que, do ponto de vista geopolítico, histórico, a Amazônia é o centro do Brasil. É lá que está rolando tudo. E o pessoal fica discutindo a eleição em São Paulo. É bom que discuta. Tem que discutir a água de São Paulo, é claro. Mas como é que se discute a água de São Paulo? É por causa da Amazônia que está faltando água em São Paulo. É por causa do que estamos fazendo na Amazônia que estamos sofrendo falta de água aqui. Ah, mas a ligação não é direta. Claro que não é direta. Mas existe, e é por ela que a coisa passa. A plataforma da Dilma, no fundo, é isso. Você olha a partir de São Paulo, Brasília, Rio… Você olha a Amazônia a partir de onde você está e vê a Amazônia lá no fundo. Ou então você pode olhar o Brasil a partir da Amazônia e se perguntar o que isso significa. Isso é sair de onde eu estou, é mudar minha posição.

Acho que foi a Isabelle Stengers (filósofa belga) que disse que “o capitalismo pode não se preocupar com a atmosfera, mas é muito mais grave que a atmosfera não se preocupe com o capitalismo”. Você, Eduardo, afirma que é mais fácil imaginar o fim do capitalismo do que o fim do mundo, mas que teremos de imaginar os dois. Mas quem fala no fim do capitalismo é visto como alguém que está viajando, que está fora da realidade. Se essa é também uma crise de imaginação, como fazer isso, na medida em que seria imaginação contra poder?

Eduardo – O ambiente, o clima, a atmosfera estão mudando mais depressa do que o capitalismo, do que a sociedade. O Obama falou isso agora. A gente sempre imaginou a sociedade mudando num ritmo muito mais rápido do que a natureza, que era um pano de fundo imóvel para a história do homem. O fato de que o capitalismo não acaba é a razão pela qual o mundo está acabando, vamos dizer assim. O capitalismo – esse sistema socioeconômico e técnico, instalado desde o começo da modernidade, com a invasão da América, alterações no sistema de propriedade, mudanças técnicas que sobrevieram na Europa ali no começo do século 16, acentuando-se de maneira dramática com a industrialização e o uso de combustíveis fósseis no século 18 – é o responsável pelo estado presente do mundo. Ou seja, para imaginar o não fim do mundo, nós temos que imaginar o fim do capitalismo. E isso é extremamente difícil. Porque a questão do capitalismo nunca foi substituir, mas somar, sobrepor. Então nós temos hoje o quê? Nunca se consumiu tanto carvão quanto se consome agora. Então essa coisa de que o petróleo iria substituir o carvão, porque o petróleo é menos poluente do que o carvão, não é verdade. Está se consumindo mais carvão do que petróleo. Agora está se usando energia nuclear, energia eólica, energia solar. Isso não baixou o consumo de petróleo. O que está acontecendo é que nós estamos acrescentando fontes de energia, ou seja, não para nunca. Quanto mais melhor.

E como se imaginaria o fim do capitalismo?

Eduardo – O fim do capitalismo, provavelmente, não virá do esgotamento das fontes energéticas. Ele virá de outro lugar. Ele virá, provavelmente, de catástrofes climáticas, sociais, políticas. Aí já me permito sonhar um pouco. Com uma certa capacidade de a população planetária pouco a pouco ir criando pequenos bolsões alternativos de deserção. Enfim, uma certa “indianização” da população, na tentativa de se tornar independente das fontes globais de mercadoria, dos sistemas globais de transporte e de energia e lutar pelo mínimo de autossuficiência local, como já vem acontecendo em muitos lugares do planeta. Com ênfase no município, na comunidade, nos governos locais, nos arranjos locais, no transporte de curta distância, no consumo de produtos produzidos não muito longe de casa. Acho que vai haver uma certa contração da economia, porque é muito possível que essas crises afetem os sistemas mundiais de distribuição de energia. Veja essa seca de São Paulo. O que é isso? Isso significa que, enfim, essas cidades gigantescas que dependem de redes gigantescas de aprovisionamento de energia, de água, de eletricidade, etc, vão se tornar inviáveis. Acho que nós tendemos a um mundo de bairros, mais do que a um mundo de megalópoles. A tendência vai ser você criar um mundo onde as relações de vizinhança, a usina solar local, as hortas comunitárias, os governos de vereança local vão se tornar cada vez mais importantes. Acho que vai haver uma inversão da política, cada vez mais de baixo para cima do que de cima para baixo. Ou, pelo menos, a pressão de baixo para cima vai tender a contrabalançar a pressão de cima para baixo exercida pelas grandes companhias de petróleo, pelos governos nacionais, pelos grandes tomadores de decisão do mundo. Eles vão começar a se defrontar com uma multiplicação de ações locais, uma multiplicação de iniciativas cidadãs, se você quiser, que vão se parecer mais com o índio do que com o turista globetrotter que atravessa o planeta como se tivesse sempre no mesmo lugar em toda a parte. Acho que essa é uma maneira de imaginar o fim do capitalismo.

Déborah – Mas acho que isso não basta, porque será necessário um enfrentamento. Senão fica parecendo que cada um saindo para por em prática sua ação local seria o suficiente…

Eduardo – Vai haver sangue, como se diz. Lembremos que a Primavera Árabe teve como um dos fatores fundamentais uma crise brutal de abastecimento alimentar. De pão, particularmente. De trigo. O governo chinês tem tomado medidas dramáticas de redução da poluição e de tentativa de baixar um pouco a bola, porque está havendo uma grande quantidade de revoltas populares, de motins, dessas coisas que a gente não sabe, porque a Muralha na China é altíssima em termos de censura. Mas está havendo uma reação das populações locais, que estão brigando com os governos e pressionando para que ele tome medidas. O futuro nos reserva grandes acontecimentos ruins em termos de catástrofes climáticas, de fome, de seca…

Para vocês, qualquer saída, se há saída, passa pela recusa do excepcionalismo humano. Apareceu várias vezes no colóquio esse mundo de humanos e não humanos horizontalizados. Como seria esse mundo e como mudar uma forma de funcionar, na qual a visão de si mesmo como centro está confundida com a própria identidade do que é ser um humano?

“O símbolo de nossa relação com o mundo é o drone. Somos todosdrones

Eduardo – Tem uma frase que o Lévi-Strauss escreveu certa vez, que é muito bonita. Ele diz que nós começamos por nos considerarmos especiais em relação aos outros seres vivos. Isso foi só o primeiro passo para, em seguida, alguns de nós começar a se achar melhores do que os outros seres humanos. E nisso começou uma história maldita em que você vai cada vez excluindo mais. Você começou por excluir os outros seres vivos da esfera do mundo moral, tornando-os seres em relação aos quais você pode fazer qualquer coisa, porque eles não teriam alma. Esse é o primeiro passo para você achar que alguns seres humanos não eram tão humanos assim. O excepcionalismo humano é um processo de monopolização do valor. É o excepcionalismo humano, depois o excepcionalismo dos brancos, dos cristãos, dos ocidentais… Você vai excluindo, excluindo, excluindo… Até acabar sozinho, se olhando no espelho da sua casa. O verdadeiro humanismo, para Lévi-Strauss, seria aquele no qual você estende a toda a esfera do vivente um valor intrínseco. Não quer dizer que são todos iguais a você. São todos diferentes, como você. Restituir o valor significa restituir a capacidade de diferir, de ser diferente, sem ser desigual. É não confundir nunca diferença e desigualdade. Não é por acaso que todas as minorias exigem respeito. Respeitar significa reconhecer a distância, aceitar a diferença, e não simplesmente ir lá, tirar os pobrezinhos daquela miséria em que eles estão. Respeitar quer dizer: aceite que nem todo mundo quer viver como você vive.

O atual governo, por exemplo, assim como setores da sociedade brasileira, parecem ter dificuldade de reconhecer os índios, os ribeirinhos e os quilombolas no caminho das grandes obras como gente. Se isso é difícil quando se trata de humanos, é imensamente mais difícil respeitar as diferenças dos animais ou das árvores, que, nesse conceito de excepcionalidade que atravessa a nossa forma de enxergar o mundo – e nós no mundo – estão a serviço dos humanos…

Eduardo – Uma coisa é você dizer que os animais são humanos, no sentido de direitos humanos. Outra coisa é dizer que os animais são pessoas, isto é, são seres que têm valor intrínseco. É isso o que significa ser pessoa. Reconhecer direitos aos demais viventes não é reconhecer direitos humanos aos demais viventes. É reconhecer direitos característicos e próprios daquelas diferentes formas de vida. Os direitos de uma árvore não são os mesmos direitos de um cidadão brasileiro da espécie homo sapiens. O que não quer dizer, entretanto, que ela não tenha direitos. Por exemplo, o direito à existência, que só pode ser negado sob condições que exigem reflexão. Os índios não acham que as árvores são iguais a eles. O que eles acham simplesmente é que você não faz nada impunemente. Todo ser vivo, com exceção dos vegetais, tem que tirar a vida de um outro ser vivo para sobreviver. A diferença está no fato de que os índios sabem disso. E sabem que isso é algo sério. Nós estamos acostumados a fazer a nossa caça nos supermercados, não somos mais capazes de olhar de frente uma galinha antes de matá-la para comer. Assim, perdemos a consciência de que nós vivemos num mundo em que viver é perigoso e traz consequências. E que comer tem consequências. Os animais seriam pessoas no sentido de que eles possuem valor intrínseco, eles têm direito à vida, e só podemos tirar a vida deles quando a nossa vida depende disso. Isso é uma coisa que, para os índios, é absolutamente claro. Se você matar à toa, você vai ter problemas. Eles não estão dizendo que é tudo igual. Eles estão dizendo que tudo possui um valor intrínseco e que mexer com isso envolve você mesmo. Acho que o símbolo da nossa relação com o mundo, hoje, é o tipo de guerra que os Estados Unidos fazem com osdrones, aqueles aviões não tripulados, ou apertando um botão. Ou seja, você nem vê a desgraça que você está produzindo. Nós todos, hoje, estamos numa relação com o mundo cujo símbolo seria odrone. A pessoa está lá nos Estados Unidos apertando um botão num computador, aquilo vai lá para o Paquistão, joga uma bomba em cima de uma escola, e a pessoa que apertou o botão não está nem sabendo o que está acontecendo. Ou seja, nós estamos distantes. As consequências de nossas ações estão cada vez mais separadas das nossas ações.

Perderam-se os sentidos e as conexões entre morrer e matar…

Eduardo – Exatamente. Ou seja, o índio que vai para o mato e tem que flechar o inimigo, ele tem que arcar com as consequências psicológicas, morais, simbólicas disso. Aquele soldadinho americano que está num quartel nos Estados Unidos, apertando um botão, ele nem sabe o que está fazendo. Porque ele está longe. Você cada vez mais distancia os efeitos das suas ações de você mesmo. Então nós somos todos drones nesse sentido. A gente compra carne no supermercado quadradinha, bem embaladinha, refrigeradinha, sem cara de bicho. E você está o mais longe possível daquela coisa horrorosa que é o matadouro. Daquela coisa horrorosa que são as fazendas em que as galinhas estão enfiadas em gaiolas apertadas. Se o pessoal lembrar que 50% das galinhas que nascem são galos e que esses 50% que nascem são triturados ao nascer para virar ração animal porque não colocam ovos, talvez não conseguissem comer galinhas. Se você mostrasse que metade dos pintinhos vão todos vivos para uma máquina que tritura, talvez melhorasse um pouco. Mas as pessoas não querem saber disso. Nisso, nós somos iguaizinhos ao soldado americano que aperta o botão para matar inocentes no Paquistão. Nós fazemos a mesma coisa com as galinhas. Nós somos todos drones. Temos uma relação com o mundo igual à que os Estados Unidos tem com suas máquinas de guerra. Somos como os pilotos da bomba atômica que não sabiam bem o que estavam fazendo quando soltaram a bomba atômica em cima de Hiroshima. Dissociação mental. Essa coisa de não se dar conta do que a gente está fazendo, por um lado está aumentando. Mas, por outro lado, com a mudança climática, as pessoas estão começado a perceber que o que elas estão fazendo está influenciando o mundo. Estamos num momento crucial: por um lado o aumento brutal do modelo drone, com tudo cada vez mais distante, e, por outro, as catástrofes batendo na sua porta. O mar está subindo, o furacão está chegando, a seca está vindo.

Eu queria terminar perguntando o seguinte: vocês escrevem que tudo o que pode ser dito sobre a mudança climática se torna anacrônico e tudo o que se pode fazer a respeito é necessariamente pouco e tarde demais. Então, o que fazer? Como sonhar outros sonhos, como diz Isabelle Stengers? Ou como dançar para que o céu não caia na nossa cabeça, como fazem os índios?

Déborah – É tarde demais para algumas coisas, mas não para outras. Disso a gente não pode esquecer nunca. Por exemplo: nós não podemos fazer sumir em curto, médio ou longo prazo com esses gases de efeito estufa. E nem com o forte desequilíbrio energético que nós já causamos, já imprimimos ao sistema climático da Terra. E como as emissões continuam aumentando, acho que não seria razoável esperar, politicamente, que essas emissões sejam estancadas de uma hora para outra.

Eduardo – O mundo está esquentando e não vai parar de esquentar mesmo se a gente parar agora. Já começou um processo que é irreversível, até certo ponto.

Déborah – Então, uma parte do que vai acontecer não depende mais das nossas decisões e ações presentes. Já é passado. Mas existe uma diferença enorme entre um aquecimento de dois graus e um aquecimento de, sei lá, quatro e seis graus. Essa diferença é a diferença entre um mundo difícil e um mundo hostil à espécie humana e a várias outras espécies. Quer dizer, a diferença se traduz entre milhares de mortes por ano em virtude de eventos extremos e milhões de flagelados do clima, de vítimas fatais, talvez centenas de milhões, até, como alguns chegam a dizer. Isso sem contar as outras espécies. Então, não podemos nos dar ao luxo de nos desesperarmos, eu acho.

O desespero é um luxo?

Déborah – É, o desespero seria um luxo. Se a gente pensa em nós mesmos, nos nossos filhos, e nos outros viventes que existem e que vão existir, se desesperar não é uma opção. Então, por um lado a gente tem que fazer o que puder para mitigar essas emissões, para criar também condições de adaptação das diferentes populações, dos ecossistemas, aos efeitos do aquecimento global. Isso em relação ao que já foi e ao que ainda vai ser, que não poderemos evitar. E, por outro lado, nós temos que fazer, como diz Donna Haraway (filósofa americana), numa expressão que é muito boa, mas que não dá muito para traduzir em português: stay with the trouble. Ficar, viver com o problema. Aguentar. Não é só aguentar o tranco. É: sim, temos esse mundo empobrecido, mas nós vamos viver com ele. O que significa viver como a grande maioria das pessoas já vive. Pessoas que não podem se proteger desse mundo que a gente criou, ou acha que criou. Há uma porção de populações que stay with the trouble há muito tempo, e a gente vai ter que aprender com elas.

Eduardo – A gente vai ter que aprender a ter sociedades com capacidade de mudar de escala. Imagina uma aldeia indígena, numa ilha, em que o mar sobe um metro. Será necessário mudar a aldeia de lugar porque o mar subiu um metro. Vai ter que entrar mais para dentro da costa. É chato, tal, mas ela muda de lugar. Agora, imagina Nova York. Os caras não vão conseguir tirar o Empire State do lugar. Ou seja, tem modos de vida em que é muito mais fácil se adaptar ao que vem por aí. Por um lado, a gente fala: quem vai se dar mal primeiro? Quem vai se dar mal primeiro com as mudanças climáticas vão ser os pobres. Eles é que vão ser os primeiros a sofrer. É verdade. Por outro lado, eu desconfio que eles vão ser os primeiros a sofrer e os primeiros a se virar.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum

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0289 – Meninos-soldados

Meninos-soldados

O uso de crianças e adolescentes em conflitos armados, drama bem conhecido nas guerras e guerrilhas do Oriente Médio e África, é crescente também na América do Sul. Nos últimos meses, governos de vizinhos brasileiros como Colômbia, Peru e Paraguai registram casos de sequestros e resgates de crianças de acampamentos guerrilheiros, de adolescentes em fuga do recrutamento forçado para guerrilha e paramilitares e até de menores  infiltrados por Forças Armadas regulares. Arrancados de suas famílias, os meninos-soldados sul-americanos são submetidos a treinamento militar com armas pesadas e a doutrinamento ideológico por radicais à esquerda e à direita. Quando conseguem escapar, são obrigados a viver escondidos por programas de inserção social ou em abrigos de fundações internacionais que oferecem ajuda em zonas de conflito.

Além de ser encontrada nas fileiras das Farc, a prática de envolver “niños, niñas y adolescentes” – como são identificados crianças e jovens em documentos e relatórios oficiais sobre os conflitos armados da América hispânica – é relatada também em outros grupos em guerra. Na Colômbia, há relatos de casos no ELN (Exército de Libertação Nacional) e em milícias contra-revolucionárias, os temidos esquadrões paramilitares, como as Bacrim (Bandas Criminales).

No Peru, a guerra de propaganda política e ideológica, a favor e contra, abastece as redes sociais da internet com vídeos de meninos e meninas com idades em torno de 10 anos gritando palavras de ordem contra o “imperialismo” e defendendo a “revolução comunista”, o projeto de conquista do poder do Sendero Luminoso, braço radical do Partido Comunista Peruano (PCP-SL). De orientação maoísta, o Sendero voltou recentemente a dominar amplas zonas do vale do Vraem, no estado de Ayacucho, nos Andes, depois de ter sido quase extinto nos anos 90 e 2000. À época, ofensivas das Forças Armadas prenderam o principal líder senderista, Abimael Guzman, condenado à prisão perpétua na cadeia de Callao, vizinha da capital, Lima, e reduziu as atividades guerrilheiras no país. Mas a partir de 2008, o exército reativou suas bases de combates na região senderista.

Na mesma balada vai o Paraguai. Basta acompanhar o cotidiano da Força Tarefa Conjunta (FTC), agrupamento especial do Exército e Polícia Nacional, como fez o Estadão em setembro, quando esteve na zona de conflito, em Concepción, a 150 quilômetros da fronteira com o Brasil, para ver o sofrimento de famílias de adolescentes de 15, 16 e 17 anos presos ou abatidos nos tiroteios com o Exército do Povo Paraguaio (EPP), organização que se autodenomima revolucionária marxista.

Em todos os países, o discurso das esquerdas radicais para sustentar as ações de guerrilha e a busca por menores de idade é o mesmo. Para eles, quem escraviza e maltrata meninos, meninas e adolescentes,  e a população em geral na América Latina, são governos “capitalistas” da região, que “impõem”, segundo eles, a pobreza e a falta de acesso a serviços públicos de qualidade, impedindo as famílias de terem oportunidade de vida melhor. Tudo perpetrado, costumam repetir, “pelas elites locais e pelos Estados Unidos”.

Direitos das crianças. “Os grupos armados necessitam sempre recrutar crianças e adolescentes para assegurar a continuidade de suas ações subversivas. São os “meninos-soldadoss”, resumiu Mariella Villasante Cervello, antropóloga, pesquisadoras associada ao Instituto de Democracia e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Peru, em entrevista ao Estado por e-mail. “Os meninos são preparados para serem futuros combatentes, enquanto que as meninas são usadas como objetos sexuais”, afirmou a pesquisadora.

Pela Convenção Sobre o Direito da Crianças, reconhecida pela ONU, o uso de menores em conflito armado é crime de lesa-humanidade. Diante dessa regra, as organizações guerrilheiras ou paramilitares – e também os exércitos nacionais – costumam negar o uso de crianças nas guerras. Mas o recrutamento de garotos a partir de 15 anos é admitido por eles, como se nesta idade os meninos já estivessem prontos para combater. Aos que não querem ir para as frentes de luta, resta a fuga.

No último mês de maio, um comunicado oficial do bloco Ocidental Comandante Alfonso Cano, das Farc-EP, grupo que nos últimos dois anos faz parte de mesa de negociações de paz com o governo colombiano em Havana, avisou que entregara à Cruz Vermelha três menores de 15 e 16 anos. A “devolução” foi divulgada como uma “bondade”. Os garotos teriam “enganado” os guerrilheiros ingressando nas fileiras da guerrilha “ocultando a verdadeira idade”. As Farc afirmam ainda que a organização considera o recrutamento de menores de 15 anos “violação das normas de recrutamento, em concordância com o estabelecido no artigo 38 da Convenção sobre os Direitos da Criança”.

Como as Farc também os paramilitares não reconheciam, e ainda resistem em revelar – a presença de meninos em suas ações de combate aos movimentos esquerdistas. É o caso da Autodefesas Unidas da Colômbia, AUC, milícia que foi desmobilizada no processo de paz dos anos 2005 a 2007, quando diversos comandantes paramilitares foram condenados a 8 anos de cadeia. Inicialmente, negavam. Mas durante os processos judiciais, que foram acompanhados de perto por representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA),  tiveram de admitir a existência de menores em suas tropas.

Áreas de conflito armado entre guerrilhas em atividade e governos na América do Sul

COLÔMBIAPERUPARAGUAI

 

0288 – 18 livros grátis que você precisa ler antes de morrer

18 livros grátis que você precisa ler antes de morrer

18 livros grátis que você precisa ler antes de morrer

Olá leitores do Canal do Ensino!

Confira uma lista com os livros clássicos que não podem ficar de fora das suas leituras mesmo que você tenha um estilo muito pessoal. Clássicos como Machado de Assis e Franz Kafka estão no ranking.

Você tem um tipo preferido de leitura? Romances? Mistério? Ficção? Auto-ajuda? Seja lá qual for o seu tipo de leitura, você não pode deixar de lado os grandes clássicos da literatura.

Mas é claro que esses clássicos não incluem somente os grandes autores brasileiros. Entre eles você até vai encontrar grandes nomes da literatura nacional, como Machado de Assis e Euclides da Cunha, mas nós não deixamos de fora os grandes autores da literatura espanhola, como Miguel de Cervantes, e inglesa, como Shakespeare e Jane Austen.

Confira a seguir uma lista com os principais títulos que você precisa ler antes de morrer:


1. Do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa

2. A Divina Comédia, de Dante Alighieri

3. Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis

4. Fausto, de Goethe

5. Madame Bovary, de Gustave Flaubert

6. Os Sertões, de Euclides da Cunha

7. O Príncipe, de Maquiavel

8. As Viagens de Guliver, de Jonathan Swift

9. Dom Quixote – (Volume I), de Miguel de Cervantes

10.Dom Quixote – (Volume II), de Miguel de Cervantes

11. Robinson Crusoé, de Daniel Defoe

12. Moby Dick, de Herman Melville

13. O Processo, de Franz Kafka

14. Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski

15. Coração das Trevas, de Joseph Conrad

16. Hamlet, de William Shakespeare

17. Os Miseráveis, de Victor Hugo

18. Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

E aí, você concorda com a lista acima? Tem outras sugestões de livros para ler antes de morrer? Compartilhe sua opinião no campo de comentários e nos ajude a incrementar essa lista!

Boa leitura!

0287 – 6 programas que dão uma surra nos que você conhece

http://www.tecmundo.com.br/selecao/23336-6-programas-que-dao-uma-surra-nos-que-voce-conhece.htm

6 programas que dão uma surra nos que você conhece

É comum que, ao longo da nossa experiência com computadores, nós elejamos alguns softwares preferidos para cada atividade que realizamos no mundo virtual. Contudo, depois de ter o seu plantel de programas eleito, muitas pessoas simplesmente fecham os olhos para os demais aplicativos.

Neste artigo, tentaremos mostrar que mudar pode fazer muito bem para a maneira como você interage com o PC. Além disso, daremos algumas dicas de softwares alternativos que possuem a mesma ou até maior qualidade que títulos extremamente populares. Abaixe as suas defesas contra novidades e tenha uma boa leitura.

Saia da mesmice

Por natureza, o ser humano possui uma resistência a mudanças. Depois que estamos acostumados com uma determinada rotina, trocar a ordem de um processo nos causa estranheza e é normal termos a sensação de que algo está errado. Afinal de contas, se algo está cômodo, por que teríamos que mudá-lo?

(Fonte da imagem: Reprodução/iStock)

Esse tipo de situação é muito comum no ambiente de trabalho. Empresas com um perfil de administração tradicional e mais conservador encontram grandes dificuldades para implementar novos projetos porque as pessoas não os aceitam. Todavia, isso também ocorre quando estamos sentados na frente do computador.

Depois de se acostumar com um programa específico, há quem rejeite toda e qualquer opção de software para aquela atividade. Porém, em muitos desses casos, a pessoa nem se dá ao trabalho de experimentar as alternativas existentes, arranjando defeitos (muitas vezes infundados) de todos os lados para tais softwares para justificar a preferência pelo programa já usado.

Com isso, essas pessoas podem estar perdendo interessantes oportunidades de descobrir formas mais simples, completas ou rápidas de executar as mesmas tarefas. Trocar de navegador, player de música, gerenciador de downloads, editor de imagem ou qualquer outro tipo de software pode ser uma maneira de conseguir uma nova experiência com o computador.

Às vezes, um aplicativo desconhecido pode ser melhor do que imaginamos, apresentando as mesmas funcionalidades que softwares consagrados, mas com menor consumo de hardware ou recursos mais intuitivos. A nossa rotina no PC se baseia em adaptações às nossas necessidades.

Portanto, antes de fazer cara feia e sair falando mal de um programa, procure conhecê-lo e experimentá-lo – não custa nada e não machuca. Você pode se surpreender com muitos aplicativos nos quais nunca ouviu falar.

Algumas sugestões

Agora que já estamos mais abertos às mudanças, este tópico traz alternativas para alguns segmentos dominados por um ou poucos softwares. Para isso, escolhemos algumas das categorias mais buscadas por vocês no Baixaki. Neste artigo, deixamos de lado alguns tipos de programas nos quais acabaríamos caindo sempre nos aplicativos mais populares – como é o caso dos navegadores e antivírus.

Player multimídia

Por ser o tocador nativo do sistema operacional mais usado no mundo, é natural que o Windows Media Player seja o responsável pelo primeiro contato de um novato com a reprodução de músicas e vídeos. Entretanto, existe uma infinidade de players com ótima qualidade – incluindo o Winamp e o VLC Media Player.

Outro programa excelente para tal finalidade é o jetAudio. Mais do que apenas executar arquivos de áudio ou filmes, ele é capaz de converter arquivos multimídia, ripar e gravar CDs, acessar canais de rádio online, obter músicas na internet e muito mais. Além disso, a sua interface é estilosa, prática e personalizável. Sua compatibilidade também é incrível, suportando a maioria dos formatos de áudio e vídeo.

Download de vídeos do YouTube

De longe, o VDownloader é o programa mais baixado para o download de vídeos do YouTube – deixando para trás até mesmo o famoso aTube Catcher. Ainda pouco conhecido, o AllVideoDownloader pode agradar a você pela sua simplicidade e funcionalidade.

O software é compatível com mais de 280 portais de vídeos, como YouTube, Google Video, Dailymotion, Yahoo! Video, Vimeo, Megavideo e MySpace. Ou seja, você consegue baixar praticamente qualquer gravação veiculada na internet. Ele possibilita o download de dezenas de conteúdos simultaneamente, convertendo-os para os principais formatos da atualidade.

Outro atrativo do AllVideosDownloader é o seu visual, mostrando ícones grandes distribuídos por uma interface bem organizada e em português. Quer conhecer mais opções? Então clique aqui e seja feliz.

Assistir a TV no PC

Um segmento que tem crescido em ritmo acelerado é a reprodução da programação de canais de televisão via streaming. O Megacubo foi um dos precursores desse tipo de aplicativo e até hoje domina com ampla vantagem o ranking da categoria no Baixaki.

Embora menos conhecido, o CineMax não deixa nada a desejar se comparado aos concorrentes famosos. A variedade de canais ofertados garante que telespectadores de todos os perfis terão conteúdo de sobra para o seu entretenimento – sejam noveleiros, aficionados de futebol, apaixonados por seriados, vidrados em desenhos animados ou sedentos por conhecimento.

Outro relevante recurso para os brasileiros é o suporte para o português, seja por meio de dublagem ou legenda. A função de eliminação de popups com anúncios publicitários provou ser eficiente e é mais um ponto positivo deste software. Por fim, a interface elegante e prática do CineMax promove uma interação extremamente agradável.

Leitor de PDF

O Adobe Reader é quase uma unanimidade quando o assunto é leitor de arquivos PDF. Por ser o pioneiro nessa atividade, esse software faz parte do kit básico para qualquer computador há muitos anos. Contudo, o Foxit PDF Reader é um aplicativo que pode substituí-lo tranquilamente.

Apesar de ter um reconhecimento considerável, principalmente entre aqueles com mais experiência, ele tem todo o potencial para alcançar a notoriedade do programa da Adobe, pois permite a visualização, conversão e impressão de arquivos PDF com muita facilidade e rapidez.

Entre as suas principais vantagens, estão o suporte para JavaScript, a sua multilinguagem, o seu mecanismo de atualização e a interface moderna – com aspectos que lembram a aparência do Windows 7. Entretanto, o maior destaque do Foxit é a sua caixa de ferramentas que possibilita a inserção de comentários (com direito a corretor ortográfico), imagens, desenhos e até vídeos aos arquivos PDF.

Limpador e otimizador do sistema

Quando o computador está precisando de uma faxina geral, o CCleaner é a maior referência para a limpeza e otimização do sistema. Porém, ele não é o único programa a fazer isso com excelência. Embora não tenha 1% da popularidade desse software, o SlimCleaner é uma poderosa arma contra a lentidão do PC.

Ele reúne em uma única interface (muito bonita, diga-se de passagem) um limpador de arquivos inúteis, um otimizador das funções do Windows e ainda um gerenciamento completo de aplicativos e processos.

O seus recursos são distribuídos de forma muito inteligente, facilitando o acesso a tudo o que ele oferece. Além disso, cada pessoa que o usa pode avaliar se um aplicativo ou processo é bom ou não. Dessa forma, você é capaz de dar a sua nota e contribuir para que todo mundo saiba se corre algum risco ao utilizar determinado aplicativo. Vale muito a pena experimentá-lo.

Para baixar músicas

Baixar músicas da internet é uma prática muito comum. Fora os clientes de torrent, dois softwares que têm se destacado nos últimos tempos são o MP3 Rocket e o Songr. Com um número menor de fãs, mas com capacidade similar a tais aplicativos, o SciLor`s Grooveshark Downloader pode surpreendê-lo.

O programa utiliza a base de dados do Grooveshark – um dos serviços de streaming musical mais populares do mercado. Isso significa qualidade de som e um acervo enorme de canções em MP3 para você ouvir. Este aplicativo não precisa de instalação, ou seja, pode ser facilmente transportado em pendrives ou HDs externos.

Atenção! Não se esqueça de prestar atenção sobre os direitos autorais das canções que você está baixando, pois o download de conteúdos protegidos é crime. Com as devidas precauções, você só precisa aumentar o volume da caixa de som e aproveitar.

…..

Essas foram apenas algumas indicações de programas que valem a pena serem ao menos observadas. Fique à vontade para navegar pelo Baixaki e procurar por mais alternativas que satisfaçam as suas necessidades.

Você gostou das sugestões de softwares que demos? Conhece mais opções para os aplicativos mencionados? De quais outras categorias você gostaria de conhecer novas alternativas de programas? Compartilhe suas experiências e participe deixando o seu comentário.

0286 – 50 sites úteis que você precisa conhecer

http://www.oficinadanet.com.br/post/11534-50-sites-uteis-que-voce-precisa-conhecer

50 sites úteis que você precisa conhecer

Somente um terço das pessoas, no máximo, têm conhecimento dos muitos sites disponíveis hoje na internet que são de grande importância e utilidade diária, que facilitarão sua vida.

oFelipe Paranhos
05/10/2013 09:40 – Atualizado: 05/09/2014 07:10

Totalmente imersos em um séculos de grandes tecnologias e cada vez mais novidades no mercado, você precisa ficar a par das facilidades existentes na internet, uma ferramenta essencial e de suma importância.

A lista a seguir, contem 50 sites que você poderá adequar às suas necessidades, ou seja, fazer uso deles em seu cotidiano, no seu trabalho, escola, ou até mesmo, em atividades pessoais. (clique na imagem para ter acesso ao site)

Screenr

Totalmente gratuito, bastando somente um clique para iniciar, este site permite a gravação do que está acontecendo na tela de seu desktop, disponibilizando a postagem diretamente no YouTube.

Google URL Shortener

Muito usado por pessoas que realizam postagens na internet e, quando estes links de postagens são muito extensos, necessita-se deste site, a fim encurtar o link, ficando mais visível ao seus receptores.

Untiny

Já este, ao contrário do anterior, é capaz de encontra o link original que foi encurtado.

Copy Paste Character

Trás a nossa disposição uma série de caracteres, pequenas figuras, que não estão presentes no teclado, disponibilizando os mesmos para copia.

Lovely Charts

Para quem necessita fazer organogramas, mapas de site, fluxogramas, diagramas e diversas outras tarefas onde se precise fazer a ligação de caixa de texto, de informações.

One Load

Utilizado por quem adora postar seus vídeo tanto no YouTube como em tantos outros sites. Este permite o upload de seu vídeo simultâneamente no YouTube e nos demais sites.

Google Fonts

Contém uma extensa lista de estilos e formatos de fontes, que podem ser adicionados tanto no seu e-mail do Google quanto no seu Word, basta escolher e adicionar com um simples clique.

Live Stream

Permite fazer transmissões de vídeo ao vivo, tanto pela webcam quanto transmitir o que se está se fazendo em seu desktop, possibilitando vídeo a criação de vídeo aulas, por exemplo.

Homestyler

Te possibilita criar projetos, rascunhos, moldes de design em 3D dos cômodos de sua casa.

Marker

Instalando esta expansão do Google Chome terás um marcador de texto, te possibilitando grifar partes importantes nos textos lidos na internet. Ao clicar em Install lhe aparecerá o passo a passo e suas informações.

WeTransfer

Com ele compartilhe online grandes arquivos com seus amigos. Suportando uma transferência de até 2GB, este site é um ótimo aliado para quem não consegue enviar algum arquivo muito grande de forma tradicional pelo e-mail pessoal.

GTmetrix

Ótima ferramenta gratuita para avaliar a desempenho online de seu site da internet. Traz informações como velocidade de rolagem da página e o tempo que a mesma leva para carregar; qualidade e dimensão das imagens; análise de JavaScript, entre outras funções.

IMO

Com as várias formas de bate papo de que dispomos hoje em dia, fica complicado estar em todos eles ao mesmo tempo, mas com este site é possível conversar com amigos do Skype, Facebook, Google Talk, etc de um único local.

Kleki

Crie muitos desenhos e rascunhos com um extenso leque de pincéis e opções. Serve tanto para a diversão da criançada, quanto para tarefas profissionais.

Wordle

Utilizado quando se tem um texto muito longo e deseja-se fazê-lo mais chamativo visualmente, este resume-o rapidamente em nuvens de tags. Resume-se em dispor as palavras aleatoriamente dando um aspecto mais despojado.

LiveShare

Permite compartilhar suas fotos em forma de álbum de forma mais rápida e imediata, possibilitando, a alocação de informações como localização, por exemplo, e, também,pode ser feito o login direto com o Facebook.

Midomi

Com este brilhante site ficará mais fácil descobrir o nome daquela música que não sai da sua cabeça, pois este realiza a pesquisa através de uma pequena gravação de áudio feita por você; recomenda-se uma gravação de 10 segundos ou mais.

Privnote

Agora a privacidade está ao seu alcance com este site, pois permite a criação de textos que se destruirão depois de ser lidos, tornando os mesmos autênticos e evitando o acesso à eles por pessoas indesejadas.

Sumopaint

Ótimo editor online de imagens usando um sistema de edição em camadas. Possui várias funções, como adição de detalhes, por exemplo; extensa lista de filtros e comandos.

Stupeflix

Faça um filme usando suas imagens, vídeos e áudios. Além disso, possibilita o login no site através dos dados das contas do Facebook, Google ou do próprio site.

TeuxDeux

Funciona como uma espécie de diário, agenda, aonde você irá escreve/descrever suas funções que deverás exercer durante dia, semana, mês. As atividades que não foram completados no dia marcado, por exemplo, como um toque, serão rolada para o próximo dia.

YouTube

Para quem deseja ver vídeos no YouTube e esta cansado do modo convencional. Este sitepossibilita a visualização dos vídeos em modo TV, retornando uma boa imagem e um novo design de página.

Notes.io

Faça lembretes de forma fácil e prática. Após ser feito o lembrete, é possível gerar um link e enviá-lo às conta do Facebook e Twitter.

FileCrop

Este site faz uma busca dos arquivos diretamente nos sites Rapidshare, MediaFire e HotFile, evitando a perda de tempo fazendo longas pesquisas no Google.

Spoon.net

Este possui milhares de softwares para serem nele usados, sem que se precise instalá-los, podendo usar qualquer um deste, somente realizando um pequeno cadastro gratuito.

Loquendo

Transforma os textos digitados em áudio, basta colar o texto no site e dar play que terás o mesmo em modo de voz.

Qlock

Saber a hora local de uma cidade usando Google Map. Através do mapa é possível visualizar a localização, e o horário local da cidade para onde se deseja ir.

Iconfinder

Neste, você dispõe de uma infinidade de ícones, de todos os tamanhos e modelos que buscar. Basta digitar o ícone desejado que a busca resultará em várias alternativas e modelos diferentes para o buscado.

Office

Encontre o download de templates, cliparts, imagens e vários outros objetos e ferramentas para o Pacote Office.

After the Deadline

Um belo corretor ortográfico/gramatical que, além de tantas outras opções, erro de ortografia, sugestão gramatical, ou sugestão de estilo, grifadas na cores vermelho, verde e azul, respectivamente. Porém, no momento, não está disponível verificação em outros idiomas além do inglês.

Google Tradutor

Tradutor do Google composto com mais de 65 idiomas, te possibilitando traduzir documentos do Office, PDFs e demais documentos.
Disponibiliza, também, a opção de áudio, onde se pode escutar o idioma a ser traduzido, tanto como sua tradução.

SimilarSites

Retorna uma  lista de sites similares aos que você gosta e costuma frequentar, tanto como conhecer novos sites similares a estes.

Adobe Kuler

Consiga sugestões de cores ou extraia cores de fotografias, além de outras funções de edição.

Fax ZERO

Neste site, poderás enviar fax gratuitamente, anexando arquivos e mensagens.

PipeBytes

Faça uma transferência de arquivos de qualquer tamanho sem usar servidores de terceiros. A transferência retorna um código/URL, o qual deve ser enviado para o receptor, onde o esmo, com este, irá acessar o site e obter o arquivo.

WhoIsHostingThis?

Encontre o host de qualquer site, tanto como seu endereço de IP e o nome de seu servidor.

Scribble Maps

Permite criar locais customizados no Google Maps, como marcação de alguma rota, criar widgets personalizados e JPEGs 3D. Além disso, é possível exportar para o Google My Maps e/ou para o Google Earth, salvar como KML / GPX / JPG, enviar Maps para amigos e imprimir.

TypingWeb

Descubra a velocidade da sua digitações e se você está digitando corretamente com este site que dispõe de aulas online de digitação.

Scrim

Compartilhe seu endereço de e-mail sem se preocupar com spam. Este site cria uma espécie de proteção para seu e-mail.

PDFescape

Consiga editar arquivos em PDF direto do seu browser, sem necessitar ir ao programa do Adobe.

FeedMyInbox

Receba RSS feeds direto no seu e-mail, como se fosse um jornal. Compatível com o Facebook, Twitter, Google +, entre outros perfis.

Bubbl.us

Crie mind-maps e ideias de brainstorm no browser, dispondo de várias funções e ferramentas.

TimeRime

Cria uma Timeline com áudio, vídeo e imagem, ou seja, dispõe de recursos para a elaboração de linhas do tempo que podem ser compartilhadas e inseridas em blogs e sites.

Minutes.io

Usado de forma gratuita, este site tem como funcionalidade capturar notas rápidas de reunião, facilitando o seu trabalho.

WooRank

Mais usado por quem possui websites, o Woorank contém ferramentes e dicas para aumentar o tráfego em seu site, liderança e vendas.

Alertful

Crie alertas de eventos importantes que serão enviados à seu e-mail. Isto facilitará muito seus compromissos do cotidiano.

Coral

Se você não está conseguindo acessar algum site devido ao alto tráfego do mesmo, este site lhe ajudar. Basta colocar o endereço do site e terás acesso a ele.

Otixo

Gerencie seus arquivos das contas do Dropbox, Google Docs, SkyDrive, entre outros.

Which Date Works

Para quem está planejando um evento e ainda não sabe a data para realizar o mesmo, este site lhe ajudará a realizar esta tarefa.

Zoom.it

Possibilita a visualização de imagens em alta definição, sem precisar ficar rolando a tela.